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Inédito: um blogue da Póvoa de Varzim foi apagado por decisão judicial, na sequência de uma providência cautelar interposta pelo presidente da Câmara local. Resumida aos elementos essenciais, a história presta-se a ter uma moral pouco ortodoxa. Dá logo para desconfiar que se trata de um acto de censura, que o autarca queixoso usou os tribunais para calar quem lhe faz frente. Conhecendo-se tantos casos de domesticação da Comunicação Social pelos poderes locais, a analogia seria compreensível. Pois se há autarcas que retiram publicidade a jornais e rádios "da oposição" ou que os compram para não incomodarem mais...
O caso da Póvoa, porém, muda de figura se a análise ultrapassar as aparências. É por isso que convoca à reflexão sobre as tecnologias de informação que tomaram o lugar dos jornais de parede. O blogue povoaonline, que o tribunal extinguiu, era um forum de conversa de café travestida de investigação jornalística. Uma acusação de corrupção aqui, uma insinuação de favorecimento ali, acompanhadas de fotomontagens ridicularizando Macedo Vieira. Nunca assumidas, porque todos os textos eram anónimos - assim continuam no blogue povoaoffline, que se apresenta como sucessor.
No blogue poveiro podem até ser reveladas umas quantas verdades, mas não é isso que importa. Escrito por quem atira a pedra e esconde a mão, vale o que vale - é difamação e ofensa gratuita. Será um instrumento de vinganças mesquinhas ou ajustes de contas. Não é, de todo, um espaço de exercício de liberdade de expressão. Porque a liberdade de expressão não é cobarde. Enquanto acto de cidadania, pressupõe assumpção de responsabilidades.
Se hoje a polícia arrancar do seu lugar um deputado da Assembleia Legislativa da Madeira (ALM), ninguém se espantará. O único eleito do PND no órgão quer repetir a graça de se apresentar com um relógio de cozinha pendurado ao pescoço, para protestar contra os tempos de intervenção atribuídos à Oposição no Parlamento funchalense.
Da primeira vez que o fez, o presidente social-democrata da ALM, irritado, pediu um parecer sobre a atitude à Comissão de Regimento e Mandatos. É com base nele que hoje pode chamar as autoridades para expulsar o rebelde. O parecer autoriza-o mesmo a actuar "pela via preventiva", seja lá isso o que for.
O eleito do PND, que não pode vestir-se de relógio - indumentária comprovadamente pouco digna - tem direito a um curto período de tempo para falar no hemiciclo, soberanamente definido pela maioria PSD na assembleia madeirense. Este, sim, é um caso de liberdade de expressão. Rapidinha, sempre de olho no cronómetro, que o tempo voa. Mas ainda assim liberdade de expressão.