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A liberdade de expressão é um direito genético da democracia. Não é possível equacionar-se uma democracia sem liberdade de expressão, nem tão-pouco é imaginável liberdade de expressão numa ditadura. Porém, para defesa real e efectiva do regime democrático, não é tolerável o recurso às instituições e direitos que este nos proporciona como meio de o destruir. A democracia, em reforço da sua solidez e permanente afirmação, deve munir-se dos instrumentos legais, materiais e humanos necessários à reafirmação da sua existência. Por isso, nenhum direito tem carácter absoluto. Até o mais sagrado dos bens jurídicos, a vida, tem as suas delimitações, a legítima defesa e o estado de necessidade. Assim, a liberdade de expressão tem, também, o seu enquadramento legal. Exprimirá patologia, se e quando atingir a honra e a dignidade do outro e/ou colocar em causa a própria democracia que a sustenta e legitima. O art.o 37.o da CRP afirma, no seu n.o 1, o direito de todos a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra... mas, o seu n.o 3 previne as infracções cometidas no seu exercício efectivo, sujeitando-as à lei penal ou à legislação de mera ordenação social. Mais, compete ao Tribunal Constitucional declarar que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista e decretar a respectiva extinção - art.o 10.o da lei do Tribunal Constitucional. Não se contém no conceito de liberdade de expressão o incitamento à desobediência colectiva às leis de ordem pública, que visam manter a paz jurídica e a paz pública, bem como a discriminação e o incitamento ao ódio e à violência, cujos bens jurídicos protegidos são a honra, a liberdade e a igualdade entre todos os cidadãos, acobertada pelo art.o 13.o da CRP. Ainda, a propaganda organizada que incite à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor ou origem étnica, ainda que mascarada de manifestação de apoio a instituição pública e seus elementos, não pode, nem deve, acontecer perante a passividade e indiferença da comunidade. Por isso, é com regozijo e sentido cívico que apoio e subscrevo a iniciativa pública, pacífica e legítima, dos mais de cem mil cidadãos que aderiram à queixa-crime contra os inadmissíveis abusos e excessos da invocada e estéril liberdade de expressão. Não é a primeira vez que polícias matam cidadãos em fuga e já ocorreram mortes de agentes de autoridade no exercício das suas funções e por causa delas. Mas é a primeira vez que cidadãos com assento parlamentar defendem e incitam a violência policial como forma de actuação contra os eventuais criminosos, numa negação absoluta dos princípios fundamentais e humanistas ínsitos na CRP e nas leis ordinárias, que lhe devem obediência! As Polícias defendem a paz pública e a paz jurídica.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia