Lições aprendidas?
Corpo do artigo
Um dos princípios estruturantes da organização militar é o das lições aprendidas. Ele determina que se deve estudar com cuidado a sequência e os efeitos de cada ação realizada; e daí retirar ensinamentos suscetíveis de aplicação no planeamento e condução de ações futuras. Devemos ter em conta este princípio em muitos outros planos, incluindo a análise política.
As eleições primárias do Partido Socialista são uma ilustração. O seu desenlace desmentiu vários pressupostos e previsões que haviam sido apresentados como verdades feitas. Basicamente, entre aquelas opiniões que se apresentam como observações definitivas, havia sido decretado o fracasso da operação em que o PS se envolvia, por três razões cumulativas: a disputa era pessoal e não de ideias ou propostas; gerava uma luta fratricida que deixaria o partido em cacos; pelo que se seguiria um ainda maior afastamento da sociedade civil, cuja descrença no sistema partidário passaria a ter mais um motivo.
Ora, a disputa foi, como tinha de ser, pessoal e política, visto que a questão que o PS tinha por resolver era a liderança. A vivacidade do confronto, permitindo distinguir dois padrões de comportamento totalmente antagónicos, facilitou a escolha dos interessados. E isso mesmo constituiu um poderoso fator de mobilização social, porque o eleitorado socialista facilmente compreendeu não só a necessidade urgente de mudar de direção como o seu próprio papel determinante para esse objetivo.
Todas as virtudes que os defensores das eleições primárias lhes atribuem foram evidenciadas por esta primeira aplicação em Portugal. Mais gente acompanha o debate político e participa na sua decisão. Diminui significativamente a margem de manobra dos cabos eleitorais internos à estrutura partidária.
O vencedor adquire uma legitimidade reforçada. E o movimento político beneficia de um impulso adicional.
No caso presente, todas estas vantagens foram potenciadas pela novidade e o pioneirismo da iniciativa e, sobretudo, porque ela funcionou em contracorrente da tendência de distanciamento popular face à vida política. Tudo somado, pode bem falar-se do passado domingo como a ocasião de um sobressalto cívico, como há muito não se via entre nós (comparável, à sua escala, ao que foi a grande manifestação de setembro de 2012).
Quer isto dizer que as lições são aprendidas? Que teremos doravante menos receio dos confrontos democráticos e seremos muito mais parcimoniosos em verdades e certezas?
Não posso, infelizmente, responder que sim. A mesma superficialidade de análise, a mesma ânsia de ser o primeiro, o mais original, o mais eloquente ou o mais espalhafatoso, a mesma obsessão com o imediato e a mesma confusão entre o interesse e a opinião, tudo isso que levou, meses a fio, a profetizar o suicídio do PS nas sua primárias, faz-se agora sentir no sentido exatamente contrário. Estas passaram instantaneamente de veneno fatal a remédio milagroso, e a vitória nelas é vista como passaporte bastante para o triunfo no país.
Bem poderão os mais avisados prevenir contra conclusões apressadas, porque o momento dificilmente se repetirá e há muitas coisas a esclarecer ainda neste método, e desde logo determinar quais são as funções sujeitas a eleição aberta e em que tempos e circunstâncias. Algo me diz que, qualquer que seja a próxima disputa, as mesmas vozes se erguerão com a mesma autossuficiência e o mesmo dogmatismo.
As lições aprendidas são um bom princípio, mas requerem que haja vontade de aprender. E aprender, olhar para a realidade com distância e tempo, considerar a história, comparar os casos, assimilar a imprevisibilidade da ação e a incerteza do futuro, tudo isso é uma tarefa humilde, incompatível com o génio. Que, como se sabe, é a qualidade mais ausente da vida política e a qualidade mais presente do comentário nacional......