A celebrar os 18 anos da classificação do Alto Douro Vinhateiro (ADV) como Património da Humanidade, foi entregue na Assembleia da República uma petição exigindo a reativação integral da Linha do Douro entre o Porto e Salamanca ligada à rede europeia.
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A adesão foi muito significativa - 9500 assinaturas acima das 4000 necessárias - com argumentação cabal. De ressaltar, neste quadro, o papel que este ativo desempenhou no quadro dos atributos avaliados para a classificação como Património da Humanidade.
Como em muitas outras lutas e como em muitas outras linhas, a vontade do povo arrisca-se a ficar expressa sem qualquer consequência. Na ferrovia, como na regionalização, conseguimos, no máximo, um rasgar de vestes do poder central num exercício de hipocrisia ou mesmo de abuso de poder.
Que outra coisa chamar a tantos projetos e estudos feitos para a reativação da Linha do Douro, designadamente no troço Pocinho-Barca d"Alva, sem que lhe conheçamos o destino e, pior, sem que ninguém justificasse o seu sucessivo abandono?
Que outra coisa chamar à falta de seriedade com que se elencam custos cujas premissas são simplesmente irreais: são precisos 48 milhões de euros para eletrificar a linha até Barca d"Alva, como bem regista o texto da petição. Mas isso pressupõe "que a linha estivesse já eletrificada até ao Pocinho, o que, como se sabe, está muito longe de acontecer. (...) Para além da eletrificação até ao Marco de Canaveses finalmente concluída, o Plano Ferrovia 2020 prevê que a catenária chegue apenas até Bagaúste" (in Trainspotter, Linha do Douro, III, dezembro 2019).
Ou seja, a defesa de projetos desta natureza é, antes de tudo, matéria de reflexão política sobre o verdadeiro alcance e legitimidade da nossa real capacidade democrática. Façamos o que fizermos, defendamos o que defendermos, não parecemos capazes de evitar que nos enganem, nos mintam ou simplesmente nos tratem com um paternalismo insolente. O estudo aturado do processo sobre a reativação da Linha do Douro em toda a sua extensão é um exemplo cristalino desta violência.
*Analista financeira