"Tu és portuguesa, tu és só para nós!" Assim dizia a marcha que tentava restituir a autoestima de uma capital completamente afrancesada e deliciosamente retratada por Eça.
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Nos dias que correm e, quem diria, a propósito da reforma de uma das mais pesadas administrações públicas da Europa, é meu parecer que devemos olhar com atenção para o que se passa nesse paraíso da civilização entretanto destronado.
O Governo Francês acaba de aprovar no Parlamento uma reorganização das suas regiões administrativas feita em apenas dois meses e sem que se conheça reação de maior.
São agora 13 em vez de 22 as regiões francesas e como referi não constam reações violentas nem no seio dos partidos políticos nem nos territórios abrangidos.
A principal razão para este sucesso parece ter sido o consenso geral sobre a necessidade de racionalizar os territórios e respetivos governos a partir da variável demográfica e do respetivo potencial económico. Ou seja, criam-se mais oportunidades e mais riqueza e garantem-se melhores condições de vida se nos organizarmos em comunidades com mais gente. A prová-lo o facto de nem a Alemanha, nem a Itália, nem Espanha e nem agora França terem regiões com menos de 1000 000 de habitantes.
Este racional permitiu que, não se descurando a diversidade cultural dos territórios, se encontrasse um driver económico comum.
O interessante texto que pude consultar no "El País" explicava que a liberdade da reorganização ficou sempre do lado das regiões cujo mau-estar apenas foi dependendo ao longo dos dois meses do resultado mais ou menos favorável (regiões mais ricas e regiões mais pobres) que todos os envolvidos iam contabilizando. Do ponto de vista político e ainda que a reforma tivesse sido viabilizada na Assembleia Nacional apenas com os votos do Partido Socialista, a Oposição absteve-se. Não porque estivesse contra, mas apenas porque considerou que o Governo não explorou todas as hipóteses para a construção política de um pacto.
Vários outros países da Europa se têm reorganizado neste sentido. A Finlândia, a Polónia ou a Grécia por imposição da troika.
Para além de um perfil territorial e económico mais competitivo, as reformas em curso são feitas de maneira a garantir poupanças expressivas. Segundo o "El País", a França poupará qualquer coisa entre 12 000 e 15 000 milhões de euros!
Claro que a poupança se faz por várias vias. Reduzem-se muitos cargos eleitos ou de nomeação e transferem-se competências. Mais uma vez no caso francês estima-se que até 2020 desapareçam os conselhos e assembleias provinciais com os seus 4000 cargos eleitos. Em paralelo, reorganizam-se os sistemas e as empresas de abastecimento de água, resíduos e transportes locais por forma a que cubram sempre comunidades com no mínimo 20 000 habitantes em vez dos 5000 atuais.
Ou seja, na pátria da administração em todo o seu esplendor napoleónico, foi possível em dois meses pôr em prática um plano de reforma coerente, muito difícil e com resultados contabilizáveis.
E por aqui? Face a este exemplo, como ficam os argumentos de uma reforma que não se pode fazer porque não se pode despedir ou gastar menos em salários ou de uma regionalização sobre a qual nunca é tempo de falar quanto mais de fazer.
E a chatice é que por aqui, e ainda por cima, as regiões já se conhecem, têm raiz identitária e económica e podem absorver competências do Estado e dos municípios abrindo caminho para um governo central e local mais eficiente, mais ágil e mais barato.
Entendo que as dificuldades que enfrentamos para conseguirmos refazer a nossa curva de financiamento nos mercados nos tenha impossibilitado de fazer mais seja o que for. Mas será criminoso que um próximo governo não empreenda de uma vez uma reforma do estado que só será estruturante se não se eximir a considerar alterações em todos os níveis da governação. E não só a custo zero. Pelo contrário, com poupanças significativas!
Até lá, oxalá nos viremos para Paris e aprendamos o que de bom se faz com o entusiasmo com que Artur Corvelo n"A Capital se virou para essa Lisboa afrancesada dos chars-a-bancs e das soirées.