É uma boa ideia fazer-se nascer um partido à esquerda do PS. Há muitas pessoas de esquerda que se cansaram daquela postura caseira com que o PS trata os assuntos do país agindo segundo as variantes da Federação A ou B para nomear ou manter o secretário-geral.
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O PS teve uma grande hipótese de estar a esta hora a governar o país - bastaria não estar instrumentalizado pelos lugares prometidos por António José Seguro aos seus apoiantes de referência. Mas a história faz-se de momentos assim e a verdade é que António Costa não avançou para putativo líder do PS naquela noite fria de janeiro último. O resultado é o que todos conhecemos: nem quando o Governo se afundou em demissões, em julho, as sondagens mostraram que os portugueses queriam Seguro.
O PCP e o Bloco de Esquerda, por seu lado, não representam alternativas a quem pretende ver Portugal na Europa sem fantasmas extremistas. O PS, como se sabe, não tem opções à esquerda para conseguir uma maioria. Por exclusão de partes, Portugal está quase sempre nas mãos de uma governabilidade da maioria PSD/CDS ou num tremendo vazio sem eles.
Mas não é exatamente por esta razão tática ou conjuntural que faz sentido apoiar o nascimento do Livre, o partido cujo líder é o eurodeputado Rui Tavares. Conheço o Rui há algum tempo e tive a oportunidade de trabalhar com ele na elaboração de um filme chamado "Ulisses - Relançar a Europa a partir do Sul". É quase um acaso feliz que, no atual contexto em que tudo é uma ditadura opinativa troika/não troika, euro/não euro, se possa ouvir economistas e políticos de dimensão europeia a explicar que o Sul da Europa não tem de estar condenado a uma receita de austeridade como receita única. O crescimento pode fazer-se por especificidades "mediterrânicas" (onde nos incluímos) - o conhecimento e criatividade desta mão de obra, a junção de universidades e projetos para novas gerações, a agricultura mediterrânica sustentável, mercados financeiros mais cooperativos e, sobretudo, uma gestão de dívida mais alongada no tempo e menos especulativa. Uma ambição conciliável sem partir tudo em cacos por uma saída suicida da moeda única.
O "Ulisses", que passa hoje às 21h no Passos Manuel, no Porto, é apenas uma etapa de um projeto que uniu em Estrasburgo e Bruxelas os deputados dos Verdes europeus e onde estão os alemães que contestam a política pura e dura de Angela Merkel. Mas não é o único momento desta cruzada. O Rui Tavares já havia lançado no início deste ano o livro "A ironia do projeto europeu" onde muitas das questões essenciais - sobretudo a da importância de consertarmos o euro - está explicada tintim por tintim. Porque a história tem exemplos: o "New Deal" de Franklin Roosevelt, lançado após a crise financeira de 1929 como forma de atenuar a falência e a fome em alguns estados do Sul dos Estados Unidos, mostra como se pode sair do colapso sem que isso represente uma utopia.
E é exatamente por isto que vale a pena apoiar as ideia do Livre. Estamos na antecâmara de uma nova paisagem política. Na esquerda mais extremista, o Bloco, o PCP e até uma nova configuração destes dois partidos (representados pelas ruturas de Daniel Oliveira e Carvalho da Silva) vão fazer uma defesa acérrima da saída do euro. À direita, o PSD fará a habitual mutação genética como se não tivesse nada a ver com Passos Coelho e começará a ser oposição a si próprio - com Rui Rio, Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite e a seu tempo o apoio implícito de Cavaco Silva.
Como, em contraponto, resta o vazio do PS de António José Seguro, a possibilidade de haver um partido novo, mais genuíno e com um tipo honesto e lúcido como Rui Tavares à frente dele, é uma excelente notícia. É uma oportunidade contra o abstencionismo através de um projeto alternativo para Portugal porque há muita gente a querer uma sociedade com mais "liberdade, esquerda, Europa, ecologia", como dizem as palavras âncoras do Livre. Pode haver quem veja o Livre na lógica de "mais um partido" - e vários insultos à mistura. Eu vejo-o como um reflexo dos novos tempos e uma oportunidade para as gerações que ainda acreditam numa nova (social-democracia de) esquerda e precisam de dar sentido ao seu voto e participação cívica.