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Omar Mateen assassinou meia centena de pessoas num bar gay da cidade de Orlando, na Florida. Era um jovem americano de 29 anos, e trabalhava como agente de segurança numa empresa privada do setor. O seu primeiro casamento durou pouco tempo. Conheceu a primeira mulher através de um site de encontros, na Internet, e ela descrevia-o então como o noivo perfeito, divertido, de espírito aberto e minimamente devoto para conseguir a aprovação da família para o enlace. A vida em comum iria porém revelar em breve uma pessoa muito diversa - autoritária, de costumes rígidos, preconceitos patriarcais e humores variáveis que resvalavam, às vezes, para atos brutais de violência doméstica. Enquanto a ex-mulher manifestava ao "The New York Times" hesitação quanto à sua orientação sexual - desconhecia que ele fosse cliente do bar onde executou o massacre ou que frequentasse um site homossexual - o pai reconhecia nele uma homofobia exuberante e sublinhava a ausência de algum fervor religioso significativo. Larossi Abballa, francês, 25 anos, matou um casal de funcionários da Polícia seus vizinhos. Com um longo cadastro de pequenos crimes, cumpriu pena de prisão e estava sob permanente vigilância policial há seis anos. Mas nada indicava que pudesse tornar-se um assassino.
Também os serviços de informação americanos que por várias vezes interrogaram Omar Mateen, acabariam por concluir que ele não representava uma ameaça séria para a sociedade. Vangloriou-se, certa vez, junto dos colegas, de ter ligações à al-Qaeda e ao Hezbollah - uma fanfarronice inverosímil atendendo ao feroz antagonismo que opõe os dois grupos. Para além da informação recolhida em navegações pelo ciberespaço, nunca recebeu treino nem mantinha contacto direto com algum grupo terrorista. O massacre que horrorizou o Mundo parece ter sido, portanto, um ato isolado, sem apoio logístico nem envolvimento direto de qualquer organização terrorista internacional. Mais um episódio trágico no incontável rol da criminalidade doméstica.
Parece evidente que o fanatismo religioso ou político são claramente insuficientes para identificar as motivações criminosas da personalidade violenta, incoerente e profundamente perturbada de Omar Mateen. Contudo, à brutalidade do ato logo respondeu a brutalidade do apelo de Donald Trump à cruzada contra o islão e contra os imigrantes muçulmanos, tal como Blair e Barroso acorreram ao apelo de Bush para a invasão do Iraque, mal lhes cheirou a pólvora, retaliação sangrenta e partilha de despojos. Nem os adeptos da saída do Reino Unido da União Europeia resistiram à tentação de explorar o massacre para promover a sua campanha para o referendo, como se o "Brexit" os pudesse imunizar contra tais horrores.
Em flagrante contraste com os desvarios populistas, a reação de Barack Obama foi corajosa, séria e realista. Contra a obstinada oposição da maioria republicana no Congresso, o presidente apontou o único caminho seguro para travar a insuportável onda de violência que flagela a sociedade americana em termos incomparáveis com o que se passa em qualquer outro país, graças ao poder e influência dos interesses ligados à industria de armamento. O presidente americano afirmou: "Este massacre é mais um sinal do quanto é fácil para qualquer um adquirir uma arma que lhe permite disparar contra as pessoas numa escola, num lugar de culto, num cinema ou num bar (...) Temos que decidir se é este o tipo de país que queremos ser. Nada fazer é também uma decisão..." Omar Mateen aniquilou 49 pessoas com duas armas que tinha adquirido recentemente. E guardava ainda uma terceira arma no automóvel em que se deslocou para o local do crime. As armas e munições que alvejaram as vítimas tinham sido compradas num armazém e à luz das disposições legais em vigor, encontravam-se em condições de perfeita regularidade!
O sucesso dos lobos solitários demonstra as limitações dos meios militares e policiais no combate contra o terrorismo e amplifica desmesuradamente os sentimentos de insegurança das populações que se tornam mais vulneráveis à demagogia e ao populismo. Não faltarão demónios a procurar aqui suplementos de legitimidade para impor mais intrusões e limitações inéditas às nossas liberdades.
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL