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É da sabedoria popular que a segurança da nossa casa está em perigo se o fogo pega no quintal do vizinho. Ora, o alarme disparou. Bem podemos alegar que entre Espanha e a Catalunha não devemos meter a unha, mas a tensão separatista que se vive aqui ao lado não pode deixar de nos preocupar. Porque é assunto nosso, português e europeu.
Em regime de mercados abertos, a sanidade económica e financeira de Portugal depende em larga medida da saúde e estabilidade dos nossos principais clientes, daqueles que compram o que produzimos e nos dão a ganhar o que precisamos para comprar o que não temos.
Felizmente para nós, a economia portuguesa está a crescer há dois anos consecutivos, maioritariamente à custa das exportações (além do turismo). Diz o Banco de Portugal que o ganho do que vendemos para fora é responsável por dois terços do nosso crescimento, no corrente ano. Ora, se mais de um quarto do que exportámos em 2016 foi para Espanha, uma quebra sensível na atividade do país vizinho teria um efeito acentuado na nossa economia. Tanto mais que, se olharmos as parcelas, fácil é concluir que vendemos mais só para a Catalunha do que para Itália, Angola, Bélgica, Marrocos ou China.
É certo que o debate caseiro dos próximos dias, na Assembleia da República, estará centrado no Orçamento do Estado. Mas o crescimento português, o nosso equilíbrio orçamental, a reposição dos nossos rendimentos dependem, e muito, da sociedade espanhola e do seu crescimento.
Acontece que o ambiente entre Madrid e Barcelona está ao rubro, com um ultimato em cima da mesa: termina amanhã o prazo que o Governo espanhol deu ao presidente do Governo regional catalão para este esclarecer, de uma vez por todas, se o que fez esta semana foi mesmo declarar a independência. E, se foi, deu-lhe novo prazo - até quinta-feira - para se desdizer. Há apelos ao diálogo e a uma solução negociada. Mas falta, de ambos os lados, quem seja capaz de iniciar a conversa e travar a escalada - que pode ser irreversível, porventura violenta.
A União Europeia não quer meter o bedelho, nem Espanha o admitiria. Os tratados impõem a integridade dos estados-membros, e aceitar um papel de mediação no conflito da Catalunha seria abrir a caixa de Pandora de outros separatismos mais ou menos ativos na Europa. A vitória dos nacionalismos abriria o caminho ao colapso da União e, a breve prazo, desceríamos de novo aos infernos das velhas desavenças de vizinhança que custaram séculos de sangue e... uma Guerra Civil em Espanha. Há 80 anos, faz agora, ainda se matavam uns aos outros. A ferida está lá, a crosta não sarou.
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