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Se há líder que se destacou neste cenário de crise foi Francisco Louçã. Vão longe os tempos em que se criticava no líder do Bloco de Esquerda um discurso que misturava o tom de seminarista com propostas radicais e anacrónicas. O sistema financeiro entretanto desabou, arrastando a chamada economia real, e com ele noções até então sagradas como mercado livre e liberalismo.
De repente, o capitalismo ficou parecido com a selvajaria para que antes alertava Louçã. Os vigaristas do off-shore, os banqueiros, os especuladores das bolsas, os donos das grandes fortunas, que faziam parte do léxico "simplório" do líder bloquista - e, vá lá, às vezes dos comunistas e de alguns socialistas - passaram a fazer parte do discurso global. E assim um seminarista aborrecido transformou-se, também de repente, num economista brilhante e num político visionário.
Restam, aliás, poucas dúvidas de que, mesmo sem estar no Governo, Francisco Louçã e o seu Bloco há meses que influenciam as políticas governativas. Provavelmente já poucos se lembram que o partido que ainda tem o Socialista no nome era apontado, há um ano atrás, pela generalidade dos analistas, como um exemplo de ponderação centrista, não deixando que a prática e o discurso lhe fugissem para a esquerda. Alguns meses de taxa de desemprego a subir, de PIB a diminuir e de pânico a instalar-se, foram suficientes para regressar às origens socialistas. E nos últimos meses lá fomos assistindo à apropriação, ainda que mitigada, de algumas das bandeiras do Bloco de Esquerda.
Talvez José Sócrates, que é um político sem ideologia, mas arguto e decidido, tenha percebido o que agora as sondagens mostram, nomeadamente a que hoje publicamos no JN: o Bloco de Esquerda sobe de forma aparentemente sólida e com uma força suficiente para ser ele, e apenas ele, o partido que garante a possibilidade de somar uma maioria parlamentar que sustente um Governo.
Parta-se do princípio que o Bloco Central é uma realidade afastada - o único que sonhará com isso será, talvez, Cavaco Silva - e olhe-se para os números: o PSD sobe, mas pouco mais do que desce o CDS. Os dois juntos ficam demasiado longe do PS. O CDS, aliás, está cada vez mais perto de voltar a transformar-se no "partido do táxi" (quando o seu número de deputados cabia dentro de um carro de aluguer), ou ainda menos do que isso, dois ou três deputados inúteis. O PCP não é capaz de conquistar o voto de protesto e mantém a sua base eleitoral habitual, ultrapassado pela dinâmica menos rígida e o discurso mais eficaz dos bloquistas. Sobram estes, com um grupo parlamentar provavelmente bem maior, para ajudar a sustentar um Governo liderado pelo PS.
O problema é: sendo este raciocínio lógico e sustentado pelas sondagens (veremos como será com os resultados a sério), alguém consegue imaginar um Governo com Sócrates a primeiro-ministro e Louçã a vice?