Os Luanda Leaks, reveladores da forma como Isabel dos Santos terá feito a sua riqueza e da colaboração de muitos na forma como isso aconteceu, trouxeram o habitual em Portugal: uma enorme indignação tardia e confusa que dificilmente produzirá algo de concreto na mudança de comportamentos de que o país tanto necessita...
Ao mesmo tempo que se criticam falhas no nosso Estado de direito, pedem-se coisas que implicariam novas violações a esse Estado de direito. Tanto se culpam colaboradores, como alguns que foram sobretudo vítimas. Tantos que perante fugas de informação relativas a comportamentos fortemente suspeitos de alguns dos nossos poderosos se recusam a fazer sequer um comentário invocando a ilegalidade dessas fugas, não hesitam agora perante uma ex-poderosa a exprimir toda a sua retitude e indignação. Consequências para a forma como o nosso Estado de direito se deve organizar para prevenir o que aconteceu ou sobre como a fraqueza do nosso escrutínio público permite a certas pessoas prosperar perante sinais óbvios de comportamentos indevidos, talvez seja melhor esperarmos sentados...
Eis algumas perguntas que devíamos estar a colocar:
Porque falharam os mecanismos de controlo legal sobre a origem de fundos duvidosos? De que forma devemos tratar os investimentos provenientes de certos países? Vamos proibir qualquer investimento proveniente de países com regimes corruptos como Angola? Se não o vamos fazer em todos os casos, quais os critérios que devemos ter? Até que ponto estamos prontos, por essa posição de princípio, a assumir um custo para as comunidades portuguesas que vivam nesses países. A decisão difícil, e que não estamos a discutir, não é o que fazer em relação a Isabel dos Santos. A decisão difícil é o que fazer em relação aos investimentos angolanos que ainda temos, ou a investimentos futuros, quando não temos nenhuma alteração de fundo em Angola que nos garanta que o que está a ocorrer não é mais do que a substituição de um grupo por outro na extração dos recursos de Angola... Sobre isto, claro, o silêncio é quase total, como era sobre Isabel do Santos enquanto esteve no poder.
Também nos deveríamos questionar sobre quão fácil é toda a sociedade cair em cima de certos ex-poderosos, mas tão raro é que isso aconteça enquanto ainda o eram? Não é apenas uma questão de falha moral (sobre que já aqui escrevi). É que criamos um incentivo perverso a que esses poderosos se eternizem no poder.
Professor universitário
