Nasci em 1948 numa pequena aldeia chamada Vieiro, do concelho de Vila Flor, no Nordeste de Trás-os-Montes. Sou a segunda filha de uma família de seis irmãos e vivi durante muitos anos com a presença próxima da minha mãe, dos avós maternos, tias, tios e primos, numa pequena comunidade rural que cuidava de todas as crianças como se fossem membros da mesma família.
O pai da minha mãe Alda, o avô Joaquim Pinto, foi a minha grande figura paterna.
Deixava-me sentar na mesa ocupada pelos obreiros em tempos de segadas, de vindimas e outros trabalhos do campo.
Os trabalhadores comiam com garfos de ferro num grande prato, sorviam o caldo em malgas de barro e bebiam o vinho que o meu avô tirava dos grandes tonéis do armazém de sua casa.
Quando visitei pela primeira vez o Museu Van Gogh, em Amesterdão, fiquei emocionada ao ver a pintura intitulada "Os comedores de batatas".
Eram os mesmos trabalhadores da terra num acto de comunhão em que alimentavam o corpo e descansavam a alma.
Recordo os anos sessenta no Vieiro em que se viviam tempos de muita pobreza e a emigração para França e Alemanha fazia-se em silêncio, com receio das perseguições da Guarda Republicana e dos informadores ao serviço da ditadura.
Fugiam da fome e da "Guerra do Ultramar". Na aldeia ficavam as mulheres, os velhos, os doentes e as crianças e viviam-se tempos de muito sofrimento.
As mulheres que eu mais tarde viria a pintar, nos anos de 1980, lutavam contra todas as dificuldades da vida, tratando da casa, dos filhos, dos animais e das terras:
Tornaram-se as minhas heroínas! Ao longo dos anos, lembro a violência que essas mulheres sofriam por parte dos pais, dos irmãos e dos maridos.
Depois do 25 de Abril de 1974, fotografei e pintei várias mulheres dessa aldeia que deram origem à série de pinturas a que chamei "Marias" e "As Escolhidas".
Hoje já não encontro essas mulheres, a maior parte das casas estão fechadas, a escola primária já fechou por falta de crianças e as ruas do Vieiro estão desertas.
Os velhos tiveram de abandonar as suas casas e vivem em lares, com conforto e cuidados médicos, mas num grande desenraizamento e solidão.
A minha pintura resulta de uma reflexão profunda sobre o mundo onde mulheres e homens enfrentam os medos e o caos que nos rodeia.
O meu mundo na Arte é feito de desenhos e pinturas, não só para mostrar uma realidade, mas sobretudo para oferecer e partilhar a minha verdade como artista e como mulher. Nos últimos anos exprimo a minha indignação moral através dos rostos dos que sofrem a violência dos fortes sobre os mais fracos e desprotegidos.
O meu atelier é o lugar de abrigo onde em silêncio encontro mundos misteriosos e sinto que o meu corpo e a minha alma ficam numa total sintonia: é o milagre da criação e da liberdade.
Em resultado de uma nova dinâmica cultural, impulsionada por decisões políticas do Município, presidido na altura pelo engenheiro Jorge Nunes, foi criada uma série de equipamentos culturais na cidade de Bragança. Em 2008 foi inaugurado o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, na Rua Abílio Beça, junto à Praça da Sé. Durante estes 17 anos de existência, este Centro de Arte tem criado uma nova centralidade cultural e artística, com uma programação exigente que tem apresentado os maiores nomes da Arte portuguesa e alguns artistas internacionais, em articulação com instituições públicas e privadas, tais como a Fundação Calouste Gulbenkian, a colecção Millennium/BCP, o Teatro D. Maria II, o Atelier-Museu Júlio Pomar e a Fundação EDP/MAAT.
Além da doação de centenas de obras únicas da minha autoria, tenho apresentado novas exposições todos os anos com as melhores pinturas e desenhos que executei ao longo de 50 anos de vida artística. Considero de uma enorme importância a criação destes espaços de encontro, contemplação e reflexão sobre a Arte e a sua relação com o Mundo. Desejo que no futuro se fortaleçam as relações sinérgicas entre todas as instituições da cidade da Bragança que se dedicam ao pensamento e ao conhecimento, em articulação com os espaços museológicos, artísticos e científicos, criando uma nova centralidade no país a partir deste Centro de Arte que muito me honra e pelo qual sinto uma enorme responsabilidade como cidadã e artista.
Pretendo deixar um testemunho da minha existência oferecendo um legado artístico e humano e tudo o que de melhor tenho e sou, nesta caminhada que faço com um sentimento de compromisso forte no presente e no futuro.
A autora escreve segundo o anterior acordo ortográfico

