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Uma vertigem cívica. Foi assim que Gaspar Martins Pereira se referiu a Luís Roseira no magnífico texto que lhe dedicou num dia da semana passada em que tivemos de nos despedir na igreja do Foco.
E foi exatamente assim que o pude reter quando, de raspão, coincidimos.
Sabia que, à época, eu tinha responsabilidades na gestão de um envelope de fundos comunitários para o Douro e procurou-me na Comissão de Coordenação para me conhecer e me interrogar sobre o fim de tais dinheiros.
Percebi instantaneamente que era um pedaço vivo daquele território que tinha a sorte de conhecer de perto.
Queria que visitasse uns lagares, privados, mais de 10, que pela sua freguesia se espalhavam e podiam, se requalificados, ser mostra viva de uma atividade económica familiar objetivamente conservada naquela rede patrimonial que conhecia como a palma das mãos.
Por causa disso, fizemos algumas viagens de ida e volta do Porto a Covas. E foi nessas viagens que pude sentir a vertigem de que falava Gaspar Martins Pereira.
Falou-me da pobreza que descobriu enquanto médico dos pobres no seu regresso da faculdade em Lisboa, das cartas que trocou com um colega da Amazónia por causa do kalazar, uma espécie de malária duriense, da revolta que sentiu quando assistiu, ainda muito novo, à arrogância dos patrões ingleses, da luta que travou para poder ter o direito de produzir e engarrafar o vinho da sua terra na sua terra, como, enfim, achava que esta nova hipótese de desenvolvimento que parecia despontar para o Vale do Douro (a atividade turística) lhe parecia promissora e justificada pela enormidade "do maior monumento de trabalho braçal do mundo!". E en passant ainda me falou, com orgulho incontido da sua Liga dos Amigos do Hospital de Sto. António.
Luís Roseira era a síntese perfeita do Porto e do Douro, obstinado, livre, rebelde, telúrico, generoso.
Uma dessas raríssimas personalidades que sempre se obrigou a conhecer os problemas e sempre se exigiu resolvê-los sem, por um segundo, equacionar a título pessoal o respetivo custo ou benefício.
Como era importante que coletivamente o conhecêssemos melhor e assim contrariássemos a história ligeira e panfletária com que vendemos a nossa região.
*ANALISTA FINANCEIRA