"Lula lá" era o que gritava a multidão em festa na Avenida Paulista, em São Paulo, na já longínqua noite de 27 de outubro de 2002. Cobrindo as eleições para o Jornal de Notícias, pude testemunhar a alegria de quem via na ida de um antigo torneiro mecânico e dirigente sindical "para lá", para o Palácio do Planalto, "a vitória da ideologia que é o povo", como me confessou um militante comunista.
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A eleição de alguém que não pertencia à aristocracia política brasileira, de alguém que era de Esquerda e logo à primeira volta, tinha uma poderosa carga simbólica. E quando foi "para lá", para a casa que fora morada de ditadores, foi como se todo o povo entrasse também no palácio.
Em, muitos aspetos, o líder do PT não desiludiu, prosseguindo o caminho de estabilização da economia iniciado por Fernando Henrique Cardoso, mas acrescentando-lhe consciência social e resgatando da pobreza largas faixas da população. O Brasil era a primeira letra de uma sigla (BRIC) que representava a importância das novas economias.
Mas nem tudo correu bem e a subida ao poder dos líderes que antes se confundiam com o povo fez com que muitos começassem a parecer-se cada vez mais com os políticos que antes criticavam, nomeadamente ao cederem à corrupção. Veio o "mensalão", veio o "lava jato" e a economia começou a cair. Dilma Rousseff, que sucedeu a Lula da Silva em normalidade democrática, estava no pior ponto da sua aceitação popular quando a justiça foi bater à porta do antigo sindicalista.
E Lula agora decidiu voltar "para lá". O que antigamente foi vitória, alegria, esperança é hoje fuga, estratagema, desespero. A casa onde antes moravam os sonhos dos brasileiros é agora a residência dos seus pesadelos. E se a inaceitável atitude de juízes que acham aceitável divulgar gravações de escutas feitas a uma presidente da República ou interferir no gesto político de nomear um ministro, não podem ser justificadas pelas ações de Lula, estas também não podem encontrar álibi numa Justiça errática e numa Imprensa que se manteve hostil aos governos de Esquerda. A justiça pertence aos tribunais e é aí que os seus agentes a devem exercer e era por ela que o ex-presidente deveria ter esperado.
"A esperança venceu o medo", disse Lula nessa noite de outubro de 2002 quando comemorou a sua eleição histórica. Agora o medo roubou qualquer esperança do Brasil sair bem deste enredo.