Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete pode até ser mais desastrado nas suas declarações públicas do que foi Miguel Relvas como cantor da "Grândola", mas numa coisa temos de lhe reconhecer algum mérito. Não é qualquer um que inibe Marcelo Rebelo de Sousa de fazer um comentário. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros conseguiu a proeza e foi algo incrédulos que escutamos as palavras do professor-comentador na sua última aparição televisiva a confessar-se perante Judite Sousa: "Não sei o que lhe hei de dizer e estou a ser de uma caridade cristã enorme contra o que é o meu costume".
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Antes, o homem que analisa com a mesma destreza o aumento da cultura do kiwi em Madagáscar ou a importância do pastel de nata na afirmação da portugalidade, já tinha levado as mãos à cabeça e dito à jornalista que "estas pessoas lá fora falam de mais". É uma constatação especialmente verdadeira para Rui Machete, que tanto fala demasiado lá fora cá para dentro, como vice-versa.
No domingo, o ministro apanhou--se em Nova Deli e, por entre algum "jet lag", foi dizendo que Portugal só poderia evitar um segundo resgate se os juros da dívida ficassem abaixo dos 4,5%. Apanhou quase todos de surpresa. Quase todos, porque Machete parece já não surpreender Passos Coelho, tal tem sido o silêncio complacente do primeiro-ministro para com o histórico social-democrata.
O puxão de orelhas ao desbocado ministro, no entanto, não tardou e até prescindiu da mala diplomática. Foi dado na praça pública - a preferida de Machete - por Paulo Portas, que se apressou a esclarecer que o país tem uma data fixada para o fim do programa de assistência financeira, mas "não uma determinada taxa". Espoletada a granada, Rui Machete ainda tentou dar o dito por não dito ao esclarecer ter apontado a taxa de juro de 4,5% como "mera hipótese". De novo, mais valia que tivesse ficado calado, algo que não assiste a este ministro.
O tempo dirá se os 4,5% eram apenas uma meta hipotética e de quem será a razão, sabendo-se que, em matéria de afirmações irrevogáveis, Portas não tem sido exemplo. É que, apesar da postura destravada, Machete já demonstrou ser atabalhoadamente um homem à frente do seu tempo. Convém lembrar que, na entrevista dada a 18 de setembro à Rádio Nacional de Angola, o MNE disse claramente não existirem nas investigações em curso em Portugal a altos dirigentes angolanos "nada de substancialmente digno de relevo". E até pediu por isso "diplomaticamente desculpa" a Luanda. O resto já se sabe. As declarações incendiaram as relações entre os dois países e, revelou-se mais tarde, o processo em curso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal envolvendo o procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, tinha sido arquivado dois meses antes das desculpas de Machete.
Assim, parece que, mais do que cuidar da diplomacia nacional, compete a Rui Machete atirar para a tal praça pública declarações aparentemente sem nexo que, mais tarde, se apresentam credíveis. E das duas uma: ou esta é uma estratégia primitiva de comunicação do Governo de Passos (e queremos acreditar que o primeiro-ministro é mais inteligente do que isso) ou Machete usa e abusa da informação privilegiada que um lugar no Conselho de Ministros lhe confere. Enquanto Passos ficar em silêncio ou mantiver Machete no Executivo, somos livres para acreditar nas duas hipóteses.