O processo político que se vive em França merece ser acompanhado com atenção. É curioso ver um sistema que, por várias décadas, funcionou numa lógica tradicional de alternância esgotar-se, no espaço de alguns meses, redundando numa solução atípica, muito personalizada, uma espécie de bonapartismo feito mais de esperança do que de coisas concretas.
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É fácil concluir que os partidos tradicionais esgotaram a sedução das suas mensagens ou não souberam recompô-las com receitas programáticas capazes de convencer um eleitorado cansado de décadas de promessas não cumpridas, tituladas pelas caras de sempre. É da sociologia política primária concluir que o surgimento de alguém com uma mensagem otimista, uma figura politicamente pouco marcada, com um discurso mais tecnocrático do que ideológico, pode ter abalado esse equilíbrio rotineiro. Mas, na ausência de uma crise histórica profunda ou de um abalo político muito sério, fica ainda muito por explicar no fenómeno Macron. Ele não foi, como De Gaulle em 1958, resultado de uma "vaga de fundo". Se François Fillon não se tivesse envolvido em algumas inesperadas trapalhadas, não o estaríamos hoje a analisar aqui.
A França é o país das ideologias, mas a nova situação política em que vive é precisamente marcada por uma aparente onda de "desideologização", pelo retorno ao mito idílico do "nem esquerda, nem direita", um tropismo que, como é sabido, surge de quando em vez nos ciclos políticos, empurrado pela ideia de que o que é preciso é fazer as coisas certas, venham elas marcadas pelo ferrete de serem de Esquerda ou de Direita. Sem uma única exceção, a história provou que todas essas experiências redundaram em soluções conservadoras, e esta não será, com certeza, uma exceção à regra.
O tempo, porém, lá por França, está do lado de alguma esperança. Uma esperança que deu a Emmanuel Macron a vitória sólida sobre a candidata presidencial da extrema-direita, mas que não parece ter sido suficiente para mobilizar o voto, de forma muito empenhada, nas eleições legislativas subsequentes. Esta espécie gaulesa de "PRD" (os leitores com memória dos anos 80 portugueses devem lembrar-se) traz consigo a excitação da virgindade política, mas também a imprevisibilidade de quadros ainda não testados na fogueira do quotidiano.
Macron é uma figura que não descura a coreografia, que traz estudada ao milímetro. Surge com uma vitalidade pausada e um rictus de firmeza - uma "espécie de Sarkozy decente", como dizia alguém -, parecendo ter algumas ideias bem claras, nomeadamente no terreno europeu, onde a afirmação da França é mais do que essencial para o projeto coletivo. Com o tempo se verá melhor se o "macronisme" veio para ficar ou se ficará na história francesa como um epifenómeno passageiro.
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