A Venezuela viveu nas últimas semanas os momentos mais conturbados desde a morte de Hugo Chávez, há dois anos. Não é uma surpresa. O mandato de Nicolás Maduro, uma cópia infiel do ex-presidente, tem sido desastroso desde a primeira hora. À retórica anti-imperialista, Maduro juntou políticas populistas que têm levado o país a uma crise económica sem precedentes. Na Venezuela, outrora pujante, hoje falta quase tudo. Escasseia comida, não há liberdade para os jornalistas e sobra o autoritarismo. Líderes da oposição são mandados para a cadeia. Cidadãos comuns são perseguidos, só porque sim.
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Maduro continua a demonstrar que está demasiado verde para liderar um país com a complexidade sociopolítica venezuelana. A Venezuela, agora e mais do que nunca, é um país perigosamente polarizado. De um lado, permanecem os seguidores da herança de Chávez, que Maduro reclama. Do outro, a oposição. Ou as oposições, com o moderado Henrique Capriles a distanciar-se cada vez mais da contestação violenta nas ruas, inflamada pelo encarcerado e ambicioso Leopoldo López.
Dividida politicamente - mas também socialmente - em dois blocos, o vazio de ideias oscila entre o preto e o branco, num debate onde não há lugar para o cinzento. Com os defensores da "revolução chavista" e respetivos opositores em lados opostos da barricada.
Detentor da suposta herança - ainda que já moribunda - de Chávez, Maduro tenta perpetuar valores de uma esquerda revolucionária cada vez mais frágil e com menos apoio nas ruas. Aí valem-lhe, por enquanto, as milícias paramilitares pró-governo. Forças de legalidade duvidosa que juraram defender a revolução bolivariana. Em nome deste ideal, mataram, só ontem, duas pessoas. O número de vítimas mortais deste conflito surdo em Caracas já ronda as duas dezenas.
A oposição mais radical não parece disposta a desarmar. Mesmo sem perceber que, dessa forma, está a fortalecer o débil Maduro. O receio de revanche, já se sabe, une quem detém o poder. Enquanto isso, os setores moderados oposicionistas afastam-se do radicalismo comandado por López a partir do cárcere onde se encontra por ordem de uma justiça desequilibrada e, não raramente, governamentalizada.
Ao mesmo tempo, Maduro vitimiza-se. Se dúvidas existissem, a inédita entrevista dada na sexta-feira à iconográfica jornalista da CNN Christiane Amanpour dissipou-as. Nicolás Maduro aproveitou o símbolo máximo da media 'imperialista americana', que tanto diaboliza, para denunciar que quem começou "este plano de violência é uma minoria, um pequeno grupo que pertence à oposição, e que deixou esta oposição numa situação muito grave". O sinal para fora da Venezuela estava dado.
Para dentro, Maduro exibe a força das balas contra paus e cocktails molotov. E, sem questionar a razão, já se sabe o quão difícil é a movimentos civis derrotar governos nas ruas. Bastaria olhar para a Ucrânia para entender a complexidade. Na Venezuela, o caso é bem diferente. Mas, tal como no país do Leste europeu, talvez fosse suficiente uma oposição política mais coordenada, menos ambiciosa e seguramente menos radicalizada, para derrubar o que resta da ideologia deixada por Chávez e depauperada pelos seus seguidores.
Até porque, em Caracas, bastaria o bom senso, que tantas vezes falta à política, para fazer o presidente cair. De Maduro.