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No Porto há uma magnólia escondida, escrevi aqui uma vez. Os habitantes do prédio em cujas traseiras ela vive sempre souberam que aquela árvore, a nossa árvore, não era apenas bela e única por ser nossa.
Crescemos à sombra da nossa magnólia. A ela trepámos. Nela brincámos. Vimos como os melros a escolhiam para cantar, como as rolas nela faziam ninho. A magnólia cresceu connosco. Assim mesmo, não fomos nós que crescemos com ela. Cresceu em nós, tem raízes fundas em pessoas que viveram, amaram, morreram. E hoje, lá no jardim de quem morreu, deve haver uma magnólia em flor.
Sobretudo assistimos a ela: de copa enorme e frondosa, verde-primavera, depois verde-verão e branco-inverno, branco de milhares de flores que são o mais perfeito fogo-de-artifício vegetal.
Sabíamo-la antiga e única. Em 2022, quisemos mostrá-la. Anunciei aqui uma casa aberta.
Milhares de pessoas foram vê-la em flor. A um espectáculo natural juntou-se um espectáculo humano.
Muitas pessoas, entre as quais especialistas, confirmaram-nos que a magnólia, de espécie M. denudata, era de facto um exemplar muito antigo e raro. Decidimos protegê-la, candidatando-a no ICNF a árvore de interesse público.
Seguiu-se uma lamentável oposição por parte de alguns proprietários, que tentaram impor a sua irracionalidade ao bem-estar da magnólia. Face a esta oposição, o ICNF deu a entender que recuaria, já que esse organismo tinha por hábito não avançar nestas circunstâncias, apesar da óbvia raridade da árvore.
Contestámos esta triste ingerência e o assunto chegou aos jornais, às televisões. Apesar do que dissera, o ICNF indicou que avançaria.
Mais de dois anos depois da candidatura, em que achámos que o silêncio burocrático atiraria a protecção da árvore para um fosso interminável, chegou por fim a decisão.
Escrevo-a com ponto de exclamação: a Magnólia de São Vicente está oficialmente protegida! É agora árvore de interesse público.
Foi um processo lento e doloroso. Mas quem cresceu à sombra de uma árvore tão bela, tão nossa avó, não tem razões de queixa. Apenas tentámos retribuir o que ela nos deu a vida inteira.
Verifica-se agora o que sempre achámos: a Magnólia de São Vicente é nossa - ou seja, é de todo o país. Trata-se de uma verdadeira alegria, uma árvore pertencer a tanta gente.