Durante esta campanha eleitoral e nos dias imediatos, discutiu-se a alegada "maldade" de uma maioria parlamentar absoluta.
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Não me lembro de essa discussão ter ocorrido com tanta assertividade nas anteriores ocorrências de maioria absoluta de um só partido (1987, 1991 e 2005). E não creio que alguém ache que o sistema de governo britânico seja menos democrático do que o nosso, pelo facto de, em geral, se governar com maioria absoluta.
Um governo de maioria serve para assegurar estabilidade na governação, por quatro anos, não para vida eterna, não a deixando dependente de interesses partidários de circunstância, como foi o caso do anterior. Serve para fazer algumas reformas que, apesar de necessárias, são impossíveis ou que mais dificilmente se conseguem fazer com governos minoritários.
Um governo de maioria não serve para governar à margem dos direitos da oposição e da democracia participativa constitucionalmente estabelecida, seja em sede de concertação social ou fora dela.
Vou até mais longe. Tal como António Costa uma vez sugeriu que devia acontecer com as grandes obras públicas, há outras obras e reformas, cuja implementação ultrapassa uma legislatura, que deviam ser negociadas com uma alargada maioria parlamentar, assegurando assim que não são interrompidas por outras maiorias. Vejam as vezes que investimentos tão importantes como o comboio de alta velocidade ou o aeroporto de Lisboa já andaram para a frente e para trás. Poderia acrescentar outros casos menos visíveis, como o cadastro da propriedade da terra ou uma gestão mais eficaz da justiça, que é precisamente onde devemos esforçar-nos para resolver o seu excesso de morosidade.
Esta maioria do PS tem este desafio pela frente: provar que os 117 deputados (eventualmente mais dois) que conseguiu democraticamente eleger não lhe dão o monopólio da verdade, que hoje ninguém tem no mundo. Com as transições difíceis que temos pela frente, precisamos de um pensamento livre, crítico e aberto, sem dogmas nem preconceitos, que nos guie na complexidade dos problemas e das soluções. Precisamos, como nunca, de um diálogo permanente com cientistas e inovadores, como o que tivemos em Coimbra numa boa tarde de campanha eleitoral do PS. Precisamos de não deixar ninguém para trás e, para isso, ouvir e perceber os seus medos e aspirações.
Se formos capazes de o fazer bem, talvez daqui a quatro anos este fantasma da maioria absoluta desapareça do debate político.
*Eurodeputada do PS