Os debates que alimentam a coreografia dramática dos partidos antes da aprovação do Orçamento do Estado revisitam temas habituais, entre eles a estafada dicotomia entre Estado e iniciativa privada. Devem as contas do país prever mais dinheiro para a Administração Pública, ou devem ser reforçados os apoios às empresas?
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2020 veio provar mais uma vez que não há um entendimento em relação a duas realidades que deviam ser complementares e não antagónicas. A marca ideológica tem tolhido uma discussão que devia ser inclusiva e não exclusiva. Acontece que sem empresas sãs o país não cresce. E acontece também que sem um Estado robusto haverá muita gente a ser engolida pela estatística negra do abandono social e da desigualdade.
Já era, por isso, tempo de nos deixarmos dessa lengalenga retrógrada de que o Estado só aglutina clientelas e funcionários públicos preguiçosos e que as empresas são o bicho-papão da economia e do desenvolvimento. Que os empresários fumam todos charuto e andam de Ferrari porque pagam salários miseráveis e potenciam a mão de obra escrava. Uma economia só floresce se tiver um tecido empresarial vigoroso, que crie postos de trabalho. Só assim se podem nivelar por cima os valores médios das remunerações. E uma economia só pode ser resiliente se o Estado cumprir de forma eficaz aquelas que são as suas funções primordiais. Porém, o ato de resistência patriótica que é ter, em Portugal, uma empresa com lucros que honre as suas responsabilidades para com os trabalhadores e o erário público, fica muitíssimo mais dificultado se olharmos para o cardápio de taxas e taxinhas que continuam a ser aplicadas pela guilhotina da Administração Fiscal: mais de quatro mil, nas contas da Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho de Finanças Públicas, chama-lhe "exaustão fiscal". Ou seja, atingimos aquele patamar em que, por mais criativas que sejam as formas de angariar receita, já não há mais tutano para sugar.
Portanto, de pouco nos vale essa discussão bizantina sobre se queremos mais Estado ou mais economia privada. Como se percebe, o primeiro não vive sem a segunda. E a segunda não se regenera se, de uma vez por todas, o primeiro não meter na cabeça que, como numa relação longa, é preciso dar um tempo para reacender a chama. Por mais tempo, leia-se menos impostos e menos burocracia. Iam ver que fazia maravilhas pela alegria deste casamento de conveniência.
*Diretor-adjunto