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Portugal continua a apresentar profundas assimetrias territoriais. O contraste entre litoral e interior, entre áreas metropolitanas e regiões de baixa densidade resulta de décadas de políticas incapazes de inverter desequilíbrios estruturais. As consequências estão à vista: encerramento de serviços públicos, abandono rural, enfraquecimento das economias locais e perda de confiança das comunidades. A redução do número de alunos nas universidades e politécnicos do interior é um sinal grave. Esta rede tem sido um travão à desertificação, mas corre agora o risco de perder massa crítica e agravar a exclusão territorial.
Portugal nunca concretizou a regionalização político-administrativa. Sem governos regionais eleitos e legitimados para executar políticas integradas, vivemos reféns de uma arquitetura frágil: um Estado central distante e municípios com alcance limitado. É inadiável criar uma política autónoma de coesão territorial, sustentada num ministério próprio e com autoridade real para coordenar políticas setoriais (saúde, educação, economia, cultura) e garantir equilíbrio territorial. Esse ministério deve ser guardião dos fundos estruturais europeus, assegurando que cumprem a sua missão: reduzir desigualdades. E deve devolver voz e visibilidade aos territórios periféricos, restaurando o equilíbrio entre Portugal metropolitano e o interior.
A decisão de fundir Coesão e Economia é um retrocesso. O que foi anunciado como "governação integrada" é, na prática, a subordinação da equidade territorial à lógica de crescimento económico. Significa transformar a coesão num subcapítulo da economia, enviesando políticas para regiões já dinâmicas, marginalizando ainda mais os territórios de baixa densidade e fragilizando a mediação interministerial. Significa um país mais desigual, vulnerável e menos democrático.
A experiência de países próximos mostra alternativas. O Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico espanhol mobiliza políticas ambientais, fiscais e de inovação rural para enfrentar o despovoamento. Em França, o Ministério do Ordenamento do Território e Descentralização revitaliza cidades médias e aproxima serviços públicos das populações. Nestes países, a coesão territorial é política de Estado. Em Portugal, continua a ser tratada como nota de rodapé.
A coesão territorial não é retórica nem luxo. É justiça social: garantir saúde, educação, transportes e cultura em todo o território é condição de cidadania. É ciência e futuro: universidades e politécnicos do interior são motores de inovação e sem eles Portugal perde talento e capacidade de resposta global. É economia viva: apoiar PME, agricultura sustentável e indústrias verdes fora das metrópoles fortalece o país como um todo. E é resiliência democrática: sem equilíbrio territorial aumentam incêndios, desertificação e desigualdade; com equilíbrio, Portugal é mais justo e preparado.
Na ausência de regionalização, um Ministério da Coesão Territorial é obrigação democrática. Só ele pode assegurar que cada investimento público, cada plano setorial e cada euro de fundos comunitários contribuem para um país equilibrado. É pela coesão que podemos garantir uma transição energética e ecológica justa, repartida por todo o território, capaz de criar emprego qualificado e fixar talento. É pela coesão que fortalecemos comunidades, promovemos densidade democrática territorial e reforçamos a resiliência face a crises globais.
Assumir a coesão territorial como pilar da governação é escolher entre dois futuros: um Portugal dividido, vulnerável e condenado à desertificação, ou um Portugal inteiro e preparado para os desafios do século XXI.