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O país vai mudar ou o país já mudou, lento e a querer olhar para trás, para a cronologia em que tudo era calma e bolor, burgos quase sem gente, orgulhosamente sós na baixa ou no centro das grandes cidades, sem ponta de multiculturalismo e com mais desemprego, com a aparente sensação de segurança que a violência doméstica, raramente revelada, sempre escondeu. O país mudou e a reacção não se fez esperar. Saltaram dos armários os fantasmas, os saudosos do antigamente, recria-se o velho do Restelo em cada esquina. Voaram das mesas de café e invadiram o Parlamento porque, no fundo, sempre existiram numa espera.
Os negacionistas da empatia procriaram em rede aberta. Quando o algoritmo lhes deu redundância e a Comunicação Social guarida, usaram os males do sistema democrático para se imporem como os piores que ninguém vê ou quer saber. Poucos querem saber. É esse país, mudado para pior por não saber aguentar a mudança, que vai a votos para - talvez pela primeira vez nas autárquicas - reflectindo um mundo a preto e branco, polarizado, que aponta ao outro, o desconhecido, o mal que nunca reconhecerá ser próprio.
A cambiante de cores municipais poderia reflectir independência, mas é cada vez mais dependente. À medida que o país simula caminhar para a descentralização, mostra-se cada vez mais centralista, sempre à espera do pai que lhe dê asas ou uns trocos, sem cuidar de atribuir autonomia à decisão. Cada vez que aparenta descentralizar, diz ao que vem como migalha, mete a Regionalização num saco e desaparece para Lisboa. É absolutamente revelador que, num país tão pequeno e desigual, tão semelhante, mas assíncrono e cavado de desigualdades entre litoral e interior, nenhum candidato autárquico levante a bandeira da defesa da Regionalização como um desígnio. Embora constitucional, a palidez desta reivindicação é tão grande que nem por demagogia se agita a bandeira. Talvez por cansaço, a Regionalização desapareceu da agenda, mesmo daqueles que não negam o atraso atroz a que o centralismo tem condenado o país há décadas. E nem os demagogos lhe pegam.
Acordar num mapa eleitoral diverso, com mais cores, mas com mais preto e branco, fará de alguns municípios uma prova ou teste-padrão para outras ambições nacionais. Entre o faroeste ou um texas racista à beira-mar plantado, a certeza de que as diferenças vão acentuar-se, os extremismos vão sentar-se à mesa da normalidade e as consequências serão medidas em balões de ensaio. Com o abraço do poder central que espera, pacientemente, que mais dependentes vão à esmola.