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Já lá vão três semanas desde que Vítor Gaspar escreveu a carta em que confessa a sua incapacidade para prosseguir com o programa que o Governo subscreveu e desde que Paulo Portas desencadeou a crise política em que estamos mergulhados. Para já, três longas semanas com o presidente da República a tomar para si o papel de protagonista do impasse em que estamos envolvidos. Ao não ter optado por uma das alternativas claras que tinha sobre a mesa - aceitar a remodelação governamental proposta por Passos Coelho ou rejeitá-la e marcar imediatamente eleições antecipadas -, o presidente colocou-se no centro do furacão. De onde dificilmente poderia sair bem, conhecidos que eram os interesses conflituais em jogo.
É verdade que a maioria da opinião publicada foi a favor da iniciativa presidencial. Quem não gostaria de ver todos unidos num projeto sério e consistente de salvação nacional? Sem dúvida que a grossa maioria dos portugueses. A questão é que, as mais das vezes, entre o desejável e o realizável vai um enorme abismo. Como foi o caso.
No domingo passado escrevi neste espaço, a propósito das propostas feitas aos partidos por Cavaco Silva que, a meu ver, elas "... seriam irrealizáveis no quadro político vigente". E acrescentei que "ao decidir não marcar já eleições, o risco passou a ser seu". E é este o cenário que temos.
Foram, sem dúvida, genuínos e estimáveis os apelos da UGT e das confederações patronais, tal como o de personalidades de relevo da vida nacional, para o desejado acordo a três. Mas, o que é certo, é que esses apelos parece terem vindo mais em socorro da difícil posição em que se estava a colocar o PR do que terem acontecido para incentivar o entendimento entre os partidos da negociação. Já então anteviam o desfecho que poderia ter a irrealista proposta do presidente.
O que estava em cima da mesa envolvia demasiadas contradições para que um acordo pudesse consistentemente realizar-se.
Para os partidos da coligação o grande objetivo era e continua a ser, já não há dúvidas, manterem-se no poder. Emparedados pelos compromissos que assumiram com a troika e pela crise política que despoletaram, PSD e CDS-PP não tinham grande margem de manobra e sabiam que eleições legislativas neste momento seriam, para si, um descalabro.
Relegitimados agora pela moção de censura dos Verdes, que logo se apressaram a fazer equivaler a uma moção de confiança (neste quadro político, a apresentação de uma moção de confiança pelo Governo poderia sempre ser entendida como uma afronta ao presidenta da República) os partidos da coligação vão avisando que estão coesos e prontos para levar a legislatura até ao fim.
Aceitar legislativas daqui por um ano seria, assim, já uma enorme cedência.
Quem tinha a vida mais complicada era, sem dúvida, o PS. Para ser consistente com tudo o que tem declarado ao longo destes dois anos, só lhe restava um caminho - o da rejeição. Ao aceitar sentar-se à mesa das negociações acolhendo a sugestão do presidente da República, o Partido Socialista sabia que corria o risco de vir a ser culpabilizado por ter feito abortar o acordo. PSD e CDS rejubilariam com a possibilidade de poderem atirar a responsabilidade pelo falhanço do possível entendimento para cima daquele que é a alternativa de Governo. Daqui que o caderno de encargos do PS nesta negociação não pudesse ser senão pesado. Ao colocar como condição de entendimento um conjunto de questões que a grande maioria dos portugueses gostaria de ver resolvidas, mas que são inaceitáveis para a coligação, e dando delas público conhecimento, o Partido Socialista ganhou a opinião pública.
O que virá a seguir, ninguém sabe. Cabe ao presidente da República procurar libertar-se da teia em que se enredou.
Previsivelmente, PSD e CDS-PP também acabarão por ganhar. Nestas circunstâncias não parece que o PR tenha condições políticas para impedir a coligação de continuar a governar até ao final da legislatura. Mas se dissolver a Assembleia da República e marcar eleições (o que assumidamente rejeitou) será então o PS quem ganha tudo, o que reconhecidamente o presidente não quer.
Dos mercados, que tanto o preocuparam, saberemos segunda-feira, mas não teremos seguramente boas notícias.
Cavaco Silva fez tudo para descolar do impopular Governo a que o ligavam. E conseguiu. Só que agora está definitivamente sozinho.