Duma coisa já podemos hoje ter a certeza - a proposta de Orçamento do Estado para 2014 vem tornar ainda mais difícil a já difícil vida dos portugueses. As permanentes medidas transitórias, assim camufladas para "adoçar" o julgamento do Tribunal Constitucional, não param de crescer fruto da criatividade negra deste Governo. O ano passado falávamos do pior orçamento dos últimos anos para as famílias. Infelizmente o que aí vem faz-nos desejar que 2013 fosse, com verdade, o ano em que se bateu no fundo, como o Governo pressurosamente se encarregou de anunciar aos mínimos sinais positivos vislumbrados na evolução económica.
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As medidas já anunciadas provam à evidência o agravar das dificuldades para o ano que vem. Mais cortes nos salários da Função Pública, novo ataque às pensões, cortes nas pensões de sobrevivência, agravamento do imposto de circulação dos veículos a gasóleo, aumento de alguns impostos indiretos, alteração das contribuições para a ADSE. O que se temia de pior aí está. Só mesmo o primeiro-ministro insiste em não querer ver. Ou então, vê mas prefere viver na ilusão de que consegue enganar-nos. "Quando as comparamos com o esforço que fizemos em 2012, não representa um esforço maior, nem para os pensionistas nem para os funcionários públicos", disse esta semana, referindo-se às medidas que compõem o próximo orçamento. Mas, então, depois dos cortes já sofridos o ano passado, a que se somam os cortes e a perda de rendimento do ano em curso e a que vão juntar-se mais cortes e nova perda de rendimento no próximo ano, o esforço das famílias para sobreviver não é maior? Será que a generalidade dos preços baixaram tão fortemente no nosso país a ponto de compensarem a perda de poder de compra dos portugueses? Alguém tem notícia de estarmos a passar por uma deflação tão profunda em Portugal que justifique as palavras sem sentido do primeiro-ministro? Em que mundo vive Pedro Passos Coelho?
Por muito boas que sejam as intenções do Governo, o que é verdade é que não há memória de alguma vez se assistir à superação de uma crise como aquela que vivemos com a receita que está a ser aplicada entre nós. Fazer contrair o défice para valores aceitáveis e conseguir pagar aos credores nos prazos contratualizados com as supermedidas de austeridade que estão a ser aplicadas, só por milagre. Se alguém conhece algum exemplo por esse mundo fora que nos conforte, por favor, informe-nos. Pelo menos ficaremos com a ilusão de que tudo o que nos impõem poderá, afinal, fazer sentido.
Na reunião do Eurogrupo esta semana ficou claro que os bons exemplos vêm da Irlanda e da Espanha, enquanto a Grécia e Portugal continuam a ser forte motivo de preocupação. A Espanha resistiu o que pode, pelos vistos com sucesso, à intervenção da troika, subscrevendo apenas o programa de ajuda à Banca. A Irlanda, que, ao contrário do que nos foi imposto, se empenhou no desenvolvimento económico, vai poder deixar o programa de ajustamento já em dezembro.
Claro que o modelo que este Governo tão empenhadamente defende, teoricamente, tem alguma coerência. No próximo ano, deveríamos assistir já a um aumento do PIB, ainda que muito ténue, as exportações deveriam crescer mais 5% sem que as importações disparem e o consumo privado deveria registar, finalmente, um primeiro incremento favorável. Só que tudo isto é levianamente otimista. E não depende da ação do Governo nos seus efeitos positivos. Os bons resultados estão sobretudo dependentes do comportamento das exportações, o que significa estarem dependentes do dinamismo das empresas privadas e da boa situação económica dos nossos principais parceiros comerciais. Oxalá o milagre aconteça.
O mais provável para o próximo ano é mais do mesmo. E ainda falta saber qual o veredito do Tribunal Constitucional, perante tanta arbitrariedade, no pressuposto de que o presidente da República não deixará de enviar o OE para fiscalização. Aqui, uma palavra de apreço a António José Seguro que voltou a propor a antecipação do calendário de discussão do OE na Assembleia da República para se evitar que os mais que prováveis chumbos venham a acontecer já com o orçamento em plena execução.
Tem o Governo um plano alternativo para eventuais rejeições do TC? O primeiro-ministro e a ministra das Finanças dizem que não.
Mas, ao menos neste aspeto, podemos estar tranquilos. Por muito más que sejam as emendas, pior que o que já estamos não ficaremos.