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Nenhum país pode ser obrigado a permanecer na União Europeia contra a vontade da maioria da sua população. E não há que ter medo do exercício de cidadania. Decidam os eleitores do Reino Unido sair ou ficar na Europa, isso é antes de tudo um sinal de vitalidade democrática. Mesmo que por detrás da decisão do primeiro-ministro David Cameron de avançar com um referendo tenha estado um cínico cálculo político (calar os influentes eurocéticos do seu próprio partido, convencido que estava que o sim à permanência venceria sem dificuldade), fica provado que os britânicos (sobretudo os ingleses) estão profundamente divididos sobre a pertença à União Europeia e só isso já justificaria a consulta popular.
A esmagadora maioria da classe política europeia (e portuguesa) não aprecia este tipo de exercício e desfia sempre o mesmo conjunto de argumentos, seja para evitar discutir a pertença à União Europeia, seja para decidir sobre a adesão a uma moeda única, ou sobre novos tratados: são decisões demasiado complexas que a maioria dos eleitores não alcança; são discussões vulneráveis às emoções e aos impulsos dos discursos redutores e populistas. Argumentos falaciosos de um sistema de partidos (europeu e português) que faz por ignorar a diferença entre democracia representativa, que se esgota no voto, e democracia participativa, que implica o empenhamento ativo dos cidadãos nas pequenas e nas grande decisões.
Não faltam aliás sinais de que, mais do que as consequências económicas de uma saída do Reino Unido, o que verdadeiramente assusta as elites políticas europeias é a possibilidade de contágio, ou seja, que países como a Holanda, a Dinamarca, a Suécia, a Itália e até a França (catapultada por Marine Le Pen) acabem por ser forçados a promover referendos semelhantes. Sendo que a possibilidade de se multiplicarem consultas populares só preocupa porque há o risco de serem, tal como no Reino Unido, votações bastante divididas, que ponham a nu as fragilidades da União Europeia e sobretudo o divórcio entre governantes e governados. Ou seja, sempre a tentação de negar a palavra aos cidadãos e varrer o lixo para debaixo do tapete. E depois lamentar a crise da democracia e a ascensão de discursos extremistas e antieuropeus.
Com ou sem saída do Reino Unido, só há um caminho capaz de travar a estagnação e o declínio: aprofundar a união política e os mecanismos de participação (e não apenas os de representação), atribuindo poderes políticos a órgãos democráticos como o Parlamento Europeu e retirando-os a órgãos burocráticos como a Comissão Europeia, reduzindo o monopólio da Alemanha e seus satélites, reforçando o papel de regiões e municípios. Em resumo, mais federalismo, mais democracia, mais proximidade, igual a Europa.
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