Mais investimento público na saúde oral? Quero abrir a boca sem dizer nada
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Geralmente, não gostamos de estar calados. Faz parte da natureza humana abrir a boca para dizer alguma coisa. Mas no que toca à importância da saúde oral e dentária, o anunciado investimento na saúde de proximidade de efetivos médicos dentistas e higienistas orais parece, à partida, ser uma boa notícia. É o Governo que afirma que vai investir em 150 novos gabinetes de medicina dentária nos centros de saúde e melhorar 193 instalações nos cuidados primários.
Na falta de orçamentos próprios, esta forma de financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) permite entrar mais facilmente pela boca adentro dos portugueses para melhorar os cuidados de saúde dentários. Mas não basta o dinheiro.
Quando falamos de saúde oral, o caminho está por desbravar, porque os dados revelam que cerca de 33 em cada 100 pessoas não têm a dentição completa e cerca de 40% da população em Portugal não vai ao dentista nem ao higienista oral. Isto significa que, em cerca de 10 milhões de pessoas, 4 milhões não trata da boca. Porque “não se sente doente”, porque “não tem dinheiro”, porque “não tem serviços próximos”. No entanto, segundo a Ordem dos Médicos Dentistas, 67,4% dos portugueses vão ao dentista pelo menos uma vez por ano. Estamos a melhorar nesta ativação do indivíduo.
Que motivos levam à falta de regularidade na higiene e cuidados, falta de confiança e receios associados? Temos necessariamente de fazer a ponte com a baixa literacia em saúde. Importa, pois, investir nas competências e motivação (o constructo que junta conhecimentos, capacidade e atributos pessoais associados à memória e à motivação) para o ato de cuidar e promover a saúde — neste caso a saúde oral. Temos cerca de 65 crianças em 100 que nunca foram ao dentista antes dos 6 anos. A responsabilidade é das crianças?
Esse conhecimento e sensibilização parentais devem também começar pelas crianças e jovens sobre a importância da saúde oral, por exemplo, através da gamificação, da música, do entretenimento, de forma a aprender-se melhor sobre a saúde.
“Pela boca morre o peixe”. O alerta é real, pois as doenças orais levam a uma perda acentuada da saúde e há vários estudos e evidências que mostram que podem provocar, além das aftas, cáries e perdas de dentes. Mas também outras complicações, como doenças do coração (inflamação), em que as bactérias da gengivite se estendem ao cérebro através dos canais nervosos ou sangue, podendo levar ao desenvolvimento da doença de Alzheimer, artrite reumatoide, e outras, indicam alguns estudos científicos.
As populações com maior literacia em saúde sabem melhor sobre como aceder aos serviços, compreender o que têm de fazer e, depois, usarem os recursos. Mas não basta só isso. Se para o acesso existirem carências enormes de serviços de proximidade — mesmo que os gabinetes existam ou venham a existir no Norte do país —, se não estiverem em Lisboa, no Sul, no Interior, Centro e Ilhas, e de uma forma acessível, é difícil ir abrir a boca e ter o gosto de não dizer nada.
Parece-nos que, se este investimento for para a frente, se conseguirmos este suporte financeiro em recursos humanos, estruturas e estratégias comunicacionais para motivação de hábitos comportamentos, e ainda um Programa Saúde Oral no SNS – 2.0 para a saúde oral que verta para a prática real, então cada cidadão, depois da interação com o seu especialista em saúde oral, vai ter gosto de abrir a boca sem dizer nada.