Nunca como agora foi tão tensa a relação entre governantes e governados. Numa altura em que os problemas são gigantes, esta dessintonia é, no mínimo, perigosa
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Acabo de ler um texto que resulta da ida, em serviço, do meu colega Elmano Madail à Grécia. O trabalho dele será publicado numa das próximas edições da NS, revista que acompanha o JN e o DN nas edições de sábado. Ler o relato do Elmano tem, entre outras, uma virtude: percebemos claramente que ainda não chegamos ao ponto de ebulição em que os gregos estão, mas também é nítida a sensação de que não andamos longe desse indesejável lugar.
As palavras de Yoki Vrychea, dona do bar Bartesera, reproduzidas na reportagem, ajudam a entender a proximidade: na Grécia, já "ninguém acredita que o dinheiro que entrega ao Estado será bem gerido". Isto é: as medidas de austeridade impostas ao povo têm uma primeira causa - o passado irresponsavelmente despesista do Estado - que retira moralidade aos sacrifícios exigidos. Lá como cá.
Este pode muito bem ser o rastilho de uma futura liquefacção dos estados tal como hoje os conhecemos. Quando o muro de Berlim caiu, assistimos a um fenómeno de "complexidade crescente", nas palavras do professor Adriano Moreira: à medida que muitos países se organizavam em blocos, políticos e/ou económicos, verificou-se uma explosão de novos estados. Este movimento de sinais contrários embrenhou-se agora na economia: o pedido de sacrifícios aos governados choca de frente, e cada vez com maior intensidade, com a confiança que estes depositam nos seus governantes. Justamente porque "ninguém acredita que o dinheiro que entrega ao Estado será bem gerido".
Sim, podemos juntar aqui a conversa habitual: também nós, patriotas consumidores, estamos obrigados a alterar os nossos estilos de vida. É verdade. Parece-me, no entanto, que o problema já está bem para lá dessa óbvia constatação. Nunca como agora foi tão tensa a relação entre quem manda e quem é mandado. Numa altura em que os desafios são gigantes, esta dessintonia é perigosa, para dizer o mínimo.
A verdade é que as notícias não tendem a melhorar, de modo a baixar o nível desta pressão. A Hungria está perto da bancarrota. E o Governo alemão apresentou ontem o maior pacote de austeridade desde o fim da II Guerra Mundial. Objectivo: reduzir a despesa do Estado em 80 mil milhões de euros (metade daquilo que Portugal produz num ano inteiro) até 2014. É brutal.
Os cortes afectarão o rendimento mínimo garantido e os subsídios aos pais que ficam em casa a cuidar de crianças logo após a maternidade. Isto é: os direitos adquiridos - expressão tão querida a alguma da Esquerda portuguesa - levam um valente abanão.
São apenas mais notícias vindas do inferno...