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"Após o fim da licença parental, o bebé continua a precisar da dedicação dos pais." A frase marca o arranque do separador que o portal oficial do Governo dedica à "amamentação e regresso ao trabalho", mas claramente este Executivo entende ser necessário reescrevê-la. As propostas de alteração ao Código do Trabalho configuram um retrocesso e uma visão desconfiada das mulheres, resultando na erosão de direitos das crianças.
Por muito infelizes e desajustadas que sejam as declarações da ministra do Trabalho sobre a amamentação, a questão de fundo vai muito além desse debate. É verdade que o anteprojeto olha para a amamentação como um ato meramente fisiológico a fiscalizar a todo o momento, mas o ponto central não está aí. Deveríamos estar a discutir a universalização de direitos e a redução do horário de trabalho nos primeiros anos de vida, partilhada entre pais e mães, quer amamentem quer não. Esse seria o caminho que melhor equilibraria papéis e facilitaria a conciliação da vida familiar e laboral, assumindo que a vinculação e o cuidado não são exclusivos de quem amamenta.
Igualmente central é o tema da dispensa de trabalho noturno e aos fins de semana para quem tem filhos até aos 12 anos, particularmente sensível em famílias monoparentais (87% das quais constituídas por mulheres). Ao introduzir condicionais dubitativas na formulação do artigo 55º, o Governo dá ao empregador a faculdade de fazer sobrepor as necessidades da empresa aos direitos do trabalhador.
Numa sociedade envelhecida e sem perspetiva de reequilíbrio (a não ser por via da imigração, que este Governo também diaboliza), a natalidade deveria ser uma preocupação coletiva e o ato de cuidar um serviço prestado à sociedade no seu todo. A reforma proposta, contudo, vai em sentido contrário. Reduz direitos laborais, fragiliza quem está mais vulnerável e fornece munições aos empregadores. Como em tantos outros setores, recuamos no caminho.