Esta semana, o Covid-19 reentrou em força no debate público (mediático). Desta vez, o aumento repentino de casos positivos em Itália fez soar novamente as luzes vermelhas nas redações e, em diferentes geografias, os políticos desdobraram-se em declarações sobre o que estava em preparação para enfrentar um eventual surto dentro de portas.
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Convém, porém, lembrar que, neste momento, a gripe sazonal mata mais gente enquanto o coronavírus tem um índice de mortalidade extremamente baixo. Paradoxalmente ninguém parece estar muito preocupado com a gripe comum.
O primeiro caso de coronavírus foi descoberto na China no início de dezembro de 2019, mas os média internacionais apenas despertaram para a doença em janeiro. A partir daí, começou a linha ascendente de alarme social. As imagens de cidades vazias paralisadas com o medo de contágio tiveram um enorme impacto à escala global. Os diferentes países começaram a contar, e a comunicar, o número de casos confirmados e as situações em análise. E cada um de nós ia adensando os seus temores. Porque estas mensagens nunca são inócuas. Na verdade, quando nos anos 70, Maxwell McCombs e Donald Shaw criaram a designada "teoria do agenda-setting", argumentando que "os média dizem-nos no que pensar, mas não nos dizem como pensar", não tiveram em conta a mediatização da saúde pública que vai sempre produzindo (perigosos) quadros interpretativos da realidade.
Qualquer notícia sobre o Covid-19 interfere nas perceções sociais acerca deste surto. Por isso, espera-se que as entidades oficiais, por um lado, e os jornalistas, por outro, tenham especiais cuidados com essa noticiabilidade. Devo dizer que tenho reservas quanto ao modo como se tem noticiado os casos suspeitos em Portugal. Os pormenores apresentados sobre os doentes identificam frequentemente essas pessoas e isso não deveria acontecer. Será que deveremos promover conferências de Imprensa para falar apenas de casos suspeitos? Essas situações ainda por confirmar deveriam ser notícia, nomeadamente de topo de alinhamento? Penso que não...
Na edição de ontem, a revista britânica "The Spectator" lembrava que a Organização Mundial de Saúde informou recentemente que, em 2018, houve dez milhões de novos casos de tuberculose em todo o Mundo, morrendo nesse período dessa doença 1,45 milhões de pessoas. Todavia ninguém se preocupa com isto, nem com outras doenças mais mortíferas... Porque agora há uma histeria coletiva em torno do coronavírus que insiste em confundir precaução com risco. Falta ainda perceber melhor quem lucra com tanto alarme.
Prof. Associada com Agregação da UMinho