O decreto-lei que previa a redução da taxa social única (TSU) foi ontem rejeitado no Parlamento por uma coligação negativa que somou os votos do Partido Social Democrata, do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português e do Partido Ecologista Os Verdes. A redução da TSU fora previamente acordada no Conselho de Concertação Social e tinha como objetivo compensar o aumento do salário mínimo nacional para 557 euros, que já entrou em vigor. A Oposição discutiu apaixonadamente a TSU, denunciou a alegada infâmia de um Governo que teria obrigado os representantes patronais a aceitar um salário mínimo acima das "nossas possibilidades", e acusou-o de tentar iludir os parceiros sociais, impondo-lhes um acordo politicamente inviável. A este coro juntaram-se todos os descontentes e dissidentes da atual solução governativa que não desistem de continuar a perscrutar no horizonte qualquer indício que alimente a sua expectativa de que um golpe mágico possa provocar a queda do Governo apoiado pela aliança parlamentar das esquerdas.
Corpo do artigo
Enquanto o PSD se reconforta nos braços dos seus demónios, urge esclarecer algumas questões elementares relativas ao funcionamento das democracias constitucionais.
Primeiro, o acordo alcançado no Conselho de Concertação Social é perfeitamente legítimo e por isso merece o respeito de todas as forças políticas representadas no Parlamento. A Assembleia da República não fica porém obrigada a aprovar os acordos conseguidos entre os parceiros sociais e o Governo porque é da sua exclusiva competência, como assembleia representativa de todos os portugueses e sede do poder legislativo, aprovar, alterar ou rejeitar as leis que dão forma a tais consensos. E foi apenas isso que aconteceu.
Segundo, a convergência de votos que ditou a rejeição desta medida proposta pelo Governo é um fenómeno comum embora pouco frequente. Por exemplo, a alteração orçamental que o Governo do PS teve de submeter à Assembleia, em dezembro de 2015, para acorrer à emergência da crise do Banif, não foi aprovada pela aliança parlamentar que apoia o Governo do PS! Foi aprovada, sim, com os votos do PSD, que se sentiu moralmente obrigado a viabilizar a solução de um problema que tentara esconder, maliciosamente, até à queda do seu Governo.
Esclareça-se, por fim, que esta "coligação negativa" é acidental e, pelo que toca ao PSD, revela o mais flagrante oportunismo. O PSD votou contra a descida da TSU, o que até agora sempre defendera, porque se opõe à subida do salário mínimo mas, sobretudo, porque viu aqui uma aparente oportunidade para perturbar o sucesso universal reconhecido à ação do Governo! O debate parlamentar que precedeu a votação não alimentou contudo essas esperanças vãs, como expressamente sublinharam todas os partidos da maioria. A aliança das esquerdas continua de boa saúde... e recomenda-se!
Enquanto em Portugal a Direita discute a malvada TSU, Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos e fez questão de executar, logo nos primeiros dias do mandato, alguns dos mais inverosímeis compromissos que assumira durante a campanha eleitoral, desde a construção do muro na fronteira com o México e dos tributos prometidos às obsessões evangélicas contra os direitos das mulheres, até à revogação do tratado de comércio livre no Pacífico e ao anúncio da transferência da Embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém! A Europa entrou num longo ciclo eleitoral de resultados imprevisíveis, Começou na França. Depois de se ter demitido - para se candidatar às eleições presidenciais - o anterior primeiro-ministro francês, Manuel Valls, embora tenha conseguido passar à segunda volta nas eleições primárias do Partido Socialista, ficou muito atrás de Benoît Hamon, um socialista descontente com o Governo de François Hollande e de Manuel Valls, que o irá enfrentar na segunda volta, já marcada para a semana seguinte. Em Ascana, capital do Cazaquistão, teve início sob os improváveis auspícios da Rússia, da Turquia e do Irão, uma ronda de negociações para acabar com a guerra na Síria e pôr termo ao cortejo de horrores que continua a indignar o Mundo e a atormentar a humanidade. Animada pela vitória de Trump, Israel vai construir mais colonatos.
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL