<p>"Os sistemas de remunerações podem contribuir para elevar os riscos sistémicos que emanam de um banco". A declaração não foi proferida por um visceral inimigo da alta finança. Foi por Angela Merkel, em vésperas da Cimeira do G 20 de Setembro passado. A chanceler alemã não dizia mais do que outros dirigentes políticos, como Nicolas Sarkozy, tinham dito antes: que na origem da crise financeira, causadora de abalos telúricos na economia real, estiveram as aventuras de executivos gananciosos, que assumiram enormes riscos na mira de prémios chorudos.</p>
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Sob pressão da opinião pública, a cimeira dos 20 países mais ricos do Mundo - e antes dela a União Europeia - já tinham revelado as melhores intenções nesta matéria. Que a crise seria aproveitada para mudar de alto a baixo o modelo de regulação do sector financeiro. Que os muros da opacidade seriam derrubados. Que, enfim, era preciso pôr cobro a bónus com muitos zeros à direita, entregando até ao Fundo Monetário Internacional um papel de "polícia".
Nas "revolucionárias" propostas, sound bytes para cidadão ouvir, nem todos acreditaram. Os políticos que traçaram o diagnóstico também conheciam a terapêutica: limitar os bónus acrescentados pelos bancos à remuneração dos seus gestores, que chegam a duplicar o salário. A questão residia em saber se tinham força para impor regras, numa fase em que a prioridade era evitar que os bancos fossem à falência. Percebeu-se logo que não tinham. Por isso a Cimeira do G 20 ficou-se por orientações gerais, a depositar, provavelmente, na gaveta dos pendentes.
Os governos injectaram milhões, em alegado estado de necessidade, para obstar aos tais "riscos sistémicos". A torneira dos capitais públicos, diz-se, tem vindo a devolver saúde à finança. Por notícias recentes se avalia o que significa a expressão. Um gestor bancário norte--americano juntou em pouco tempo - imagina-se com que sacrifício... - o suficiente para comprar um castelo medieval na Alemanha. Alguns bancos britânicos aumentaram em 50% os prémios dos administradores.
Por cá, só para apalpar terreno - coisa do tipo: sugerir não ofende - os reguladores (Banco de Portugal e CMVM) acabam de soltar a notícia de que vão propor ao Governo limites aos prémios de gestão. Enorme atrevimento o deles, a avaliar pelas reacções dos banqueiros! Quase em uníssono, invocaram o mais sagrado dos princípios do mercado: quem manda são os accionistas. Nada de surpreendente. Quando o Estado, bombeiro de serviço, tapou os buracos financeiros da banca, nenhum irredutível liberal se queixou de intromissão no mercado. Agora que o Estado quer introduzir novas regras, aqui- -d'el-rei!, não tem nada de se meter na esfera privada. Até ao próximo "estado de necessidade"...