O salário mínimo está alto ou baixo? Cá dentro, prevalece a ideia de que haveria margem para o aumentar, sem que tal se traduzisse numa perda de competitividade para as empresas. A troika, com o FMI à cabeça, tem, pelo contrário, manifestado preocupação com a eventualidade dos salários no sector privado continuarem a prejudicar a capacidade das empresas competirem nos mercados internacionais, seja directamente seja pelo peso dos salários nos custos das empresas que fornecem bens ou serviços essenciais às outras empresas (energia, telecomunicações, água). No caso concreto do salário mínimo, o facto de haver uma percentagem significativa de trabalhadores a recebê-lo é interpretado como evidência de que o mesmo seria elevado, impedindo as empresas de praticar salários ajustados ao perfil do posto de trabalho. Essa é uma maneira de ver a questão. Se analisarmos essas ocupações, bem assim como as habilitações e competências das pessoas envolvidas, verificaremos uma grande similitude entre elas. Ou seja, é perfeitamente legítimo argumentar que todo esse grupo tem remunerações muito semelhantes por tudo, desde o que é exigido que façam até ao que sabem fazer, ser também muito parecido. Podia-se baixar o salário? Podia-se. Mas não seria a mesma coisa! Se, já assim, é necessário acorrer a muitos agregados familiares incapazes de, pela remuneração do trabalho, prover as suas necessidades fundamentais, uma diminuição da retribuição apenas colocaria mais pressão sobre as políticas sociais. O cobertor é curto de mais!
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Sabe-se, contudo, que uma subida generalizada do salário mínimo conduzirá, em maior ou menor medida, a alguma perda de postos de trabalho em empresas que estejam apenas no limiar da sobrevivência. Sabe-se, ainda, que um aumento do salário mínimo é uma forma de operar uma redistribuição do rendimento em favor daqueles que estão no fundo da pirâmide. Em todo o espectro político, e entre os agentes económicos, tem crescido o sentimento de que seria justo fazer algo para melhorar a condição de vida desse estrato. Será possível encontrar uma solução que concilie os dois propósitos: evitar lançar mais gente no desemprego e melhorar o nível de vida dos que auferem o salário mínimo. Uma subida administrativa colocaria pressão sobre algumas empresas, podendo conduzir a despedimentos. Dir-se-á que não são estas as empresas que nos interessam. Não creio que estejamos em condições de nos darmos ao luxo de ter este tipo de atitude. Mas, como é óbvio, não devemos deixar que sejam elas a marcar o jogo. A resposta que me parece mais razoável passa pela concertação social e, em particular, pelo pacto de partilhar os melhores resultados que as empresas estarão a obter com os seus trabalhadores. Não se mexeria com o salário contratualizado mas assumir-se-ia o compromisso de distribuir uma parte dos resultados que, pelo menos, correspondesse à eventual subida do salário mínimo.
Estou já a ouvir os argumentos: os patrões não são de confiar; isso seria colocar a decisão na mão deles; as contas não reflectem a situação da empresa; etc. Admito a preocupação. O salário mínimo é um assunto típico das PME, as tais que toda a Oposição, sobretudo a mais radical, considera o motor da economia. As mesmas PME a quem se quer baixar o IRC. Se as contas estão certas para esse propósito, não estarão para o outro? Façamos, ainda assim, entrar em cena um outro actor: a Ordem dos Técnicos de Contas. Envolvam-na no protocolo, impondo uma penalização dos seus associados que se venha a demonstrar serem coniventes com processos de falseamento de resultados. Afinal, talvez fosse uma maneira de trazer para a economia formal mais uns milhões de euros...
Quanto aos trabalhadores que tenham o azar de trabalhar para empresas sem margem para aderir ao esquema proposto, haveria que pensar em medidas específicas, em sede de política social.
Ouço reticências. Em tempo de homenagens a Mandela, é útil recordar o seu esforço para ouvir e integrar o outro e os seus pontos de vista. Por comparação com o que fez e conseguiu, as dificuldades em fazer o sugerido seria brincadeira de crianças.