"Se hoje sou um homem livre, devo-o a Ele". Palavras de um jovem sul-africano que, em lágrimas, prestava uma última homenagem ao falecido Nelson Mandela, junto da sua residência. Esta imagem, poderosa, é talvez uma das mais eficazes formas de demonstrar o que Mandela representa para o povo negro, para a África do Sul. Ele foi o pai da liberdade, aquele que devolveu a todos e a cada um dos seus compatriotas o mais básico de todos os direitos.
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A história da vida de Mandela confunde-se com a história do último século da África do Sul, ao ponto de ter sido, juntamente com Frederik de Klerk, o principal responsável pela substituição do regime do apartheid por uma democracia multirracial.
Nascido em 1918 em Transkei, no seio do clã Madiba, Mandela teve ainda o privilégio da frequência universitária na década de 40, tendo passado pelo University College de Fort Hare e, mais tarde, pela Universidade de Witwatersrand. Em boa hora o fez, já que em 1948 o Partido Nacional (NP - National Party) viria a ascender ao poder através do voto branco, com um programa que assentava no modelo apartheid. É curioso ler, hoje, o racional deste regime, que "oferecia" aos negros uma cidadania associada aos seus grupos étnicos e acantonada nos seus territórios específicos, ditos "homelands". Esta forma hipócrita de autonomia, que mais não era do que subtrair aos negros a cidadania sul-africana, empurrando-os para guetos sem condições de vida nem perspetivas de desenvolvimento, visava tão simplesmente criar uma maioria branca artificial. Daí à discriminação racial, que incluía obviamente a segregação nas universidades, foi um passo.
Durante as décadas de 40 e 50, Mandela foi alternando estudo, trabalho e muito protesto. Aderiu ao Congresso Nacional Africano (ANC) em 1944, onde foi um dos fundadores do respetivo movimento de jovens, e não deixou mais a luta contra um regime que, com os anos, foi ficando mais musculado. É justamente no rescaldo da ilegalização do ANC, em 1960, que Mandela propõe a introdução de táticas violentas.
Preso em 1962, Mandela é condenado a cinco anos de trabalhos forçados. Passados dois anos, num outro julgamento, oito membros do ANC, incluindo Mandela, são condenados a prisão perpétua. Por esta altura, a opinião internacional estava já bastante alerta para a problemática sul-africana, mas a condição de imperialistas de várias nações europeias, com colónias um pouco por toda a África, impedia uma tomada de posição explícita e decisiva.
Primeiro na prisão de Rhode Island, depois na de Pollsmoor, Mandela penou 27 anos, que todavia não tiveram o efeito de endurecer a sua raiva. Aquele que, enquanto jovem, foi empurrado para a inevitabilidade da ação armada, foi desenvolvendo uma visão pacífica para o caminho a seguir em direção à liberdade e à igualdade. Sabe-se hoje que foi muito influenciado pelo percurso de Mahatma Gandhi, o grande líder indiano que, curiosamente, iniciou a sua ação política na África do Sul e, regressado à Índia, conseguiu finalmente derrotar o colonialismo britânico através de uma estratégia de desobediência civil não violenta. Apesar da via pacifista, a determinação de Mandela permaneceu intocada, como bem o demonstra a recusa sistemática em rever o seu posicionamento político em troco da liberdade.
O início da revolução protagonizada por Nelson Mandela começou um par de dias antes da sua saída da cadeia em 1990. Com efeito, após 10 mil dias fechado, em que o regime do apartheid o via como um problema, o carismático membro do ANC recebeu uma surpreendente ordem de libertação, pois passava a fazer parte da solução. Seguiu-se a presidência do ANC, no mítico congresso de 1991, ao lado do seu companheiro de sempre Oliver Tambo, e a ascensão a presidente da África do Sul em 1994.
Justamente durante a estreia de "Longo caminho para a liberdade", filme alusivo à vida de Mandela, soube-se da sua morte. Após o choque, a grande interrogação que se coloca é saber se a África do Sul terá a inteligência coletiva para honrar o excecional legado de reconciliação nacional de Madiba. O grande líder trouxe a liberdade. A grande nação africana terá de mostrar que, na ausência do farol, saberá o que fazer dessa liberdade. As oportunidades são imensas, mesmo para uma nação órfã.