O inquestionável direito de ser do contra levou ontem milhares de portugueses, trabalhadores e não só, a integrarem, em Lisboa e no Porto, manifestações organizadas pela CGTP-Intersindical.
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Os ajuntamentos de protesto obedeceram, como é óbvio, a um enquadramento político-ideológico retinto e do qual não vem mal ao Mundo. Tratou-se de milhares de portugueses mostrarem em público a sua discórdia quanto ao plano de austeridade em curso e cujas medidas, todas de carácter recessivo, cortam direitos e anulam zonas de bem-estar até há pouco intocáveis. Em causa está, pois, o conteúdo e a direcção de vários pacotes restritivos, da má distribuição do aumento da carga fiscal ao agravamento das condições de acesso a cuidados de saúde e tantos outros.
Por partir de uma confederação de sindicatos, embora vista por muitos como anquilosada e/ou jurássica no comportamento, o protesto promovido pela CGTP tem, evidentemente, uma projecção bem menos negligenciável do que algumas outras, menos transversais, mais sectoriais - como a dos professores ou dos polícias, por exemplo. E fica na antecâmara de uma certeza: tal como se desenham os próximos tempos, marcados por mais austeridade e concomitante aumento do desemprego e degradação de condições de vida de milhares de portugueses, garantidamente surgirão mais e mais manifestações, mais e mais reuniões de protesto, englobando múltiplos sectores socioprofissionais, alguns em órbita diversa da CGTP, não sendo sequer de excluir a hipótese de o país convergir para a adesão significativa a greves gerais.
A discórdia sobre as opções políticas restritivas de direitos e de qualidade de vida está coberta, convém sublinhar a traço grosso, por uma absoluta legitimidade. E dá-se até o caso de até agora o povo português ter adoptado a cada anúncio de mais austeridade uma posição quase introspectiva, consciente das dificuldades e parecendo abnegado nos sacrifícios para as enfrentar.
Portugal não é a Grécia - clamam todos os dias os políticos, preocupados em distanciar os comportamentos nacionais dos do parceiro mais mal comportado da Zona Euro. Pois bem: até agora o país, de facto, está nos antípodas nas reacções aos pacotes de austeridade impostos pela troika. Todos os dias Atenas aparece nos telejornais virada do avesso por greves gerais e manifestações violentas; Lisboa acorda e deita-se entre esboços civilizados de protesto e, imagina-se, muito consumo de "Kompensan" pelo povo em desespero.
Ou seja: até agora continua (e ainda bem) desinserido da realidade sociológica o discurso do primeiro-ministro, a 4 de Setembro, em Campo Maior, e no qual, lembrando o direito constitucional à manifestação e à greve, deixou mensagem surpreendente. Entre a ameaça e o receio disse então Passos Coelho: "Nós não confundiremos o exercício dessas liberdades com aqueles que pensam que podem incendiar as ruas e ajudar a queimar Portugal".
Até agora os protestos dos portugueses não saíram do trilho. E assim devem continuar.
Não se subvertendo a legitimidade política pela da vanguarda da rua, o mérito deste posicionamento tem entretanto uma assinatura: a dos sindicatos e respectivas confederações.
É avisado, de facto, balizar os protestos. Enquadrando-os.