É uma estranha noção de pluralismo esta que tudo reduz ao interesse dos partidos. É assim que, por ausência de qualidade entre os adversários, Marcelo vai ter de ir embora da RTP. Uma ditadura.
Corpo do artigo
Como em tudo na vida, há quem goste e quem não goste de ouvir o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa ao domingo à noite na RTP1. Nos muitos comentários que já lhe ouvi ao longo dos anos, o que retenho do seu estilo é aquilo que tornou aquele espaço uma marca de prestígio: Marcelo conseguiu fazer do comentário político, habitualmente chato e cinzento, uma coisa viva, popular. Marcelo é um animal político, domina como poucos o espaço mediático e as suas intervenções são sempre ricas de linguagem, inteligentes, estimulantes. Toda a gente sabe que Marcelo Rebelo de Sousa é do PSD, já foi seu líder e não desdenharia voltar. É, por isso, parte interessada no meio político que comenta como se fosse um estranho. Quem o ouvir como um comentador independente engana-se. Marcelo é parte, comenta, aniquilia, elogia, chega até ao ponto de tratar todos os actores políticos como seus alunos e vai-lhes dando a nota que quer, claramente, nuns casos com a maldade que não usará com os seus alunos verdadeiros. Mas também critica os seus pares do PSD, pelo que, visto assim, o programa de Marcelo ao domingo à noite na RTP é mais do que um espaço de comentário político, está para além dele, é um espectáculo que vale por si só.
O programa, depreciativamente conhecido também como as "homílias do Marcelo", vai acabar. Vai acabar na RTP, note-se. Alguém entendeu que tem de haver pluralismo na RTP e, como, por vontade do próprio, acabará em breve o programa do socialista António Vitorino, Marcelo tem de, como se diz em português, pagar as favas. É uma estranha noção de pluralismo esta que apenas contempla dois partidos e que tudo reduz ao interesse partidário. E mais estranha ainda, esta ditadura dos partidos que acaba por prejudicar os próprios partidos. Veja-se: os partidos acham que nos media do Estado deve imperar a igualdade entre todos os partidos, como se todos valessem o mesmo e como se a televisão não rejeitasse ao minuto quem não presta como comunicador. É assim que, por ausência de qualidade entre os adversários, Marcelo terá de ir embora. É assim que um partido paga por esta política de ditadura dos partidos. Ditadura, digo bem. Que os partidos gostariam de estender também à Imprensa privada. Sei do que falo. O JN já tem sido criticado por não contemplar nas páginas de Opinião todas as cores político-partidárias. Acontece que desconheço a cor dos colunistas do JN. Convidei-os a escrever no jornal por outros motivos, acima de tudo pelo mérito e pela qualidade que lhes reconheço, e porque sei que onde houver essa qualidade jamais haverá imposição de valores, pelo que o espaço de liberdade que me orgulho de manter no JN não será posto em causa.
É isto que não viu quem ponderou a regra da igualdade que leva à retirada de Marcelo. O resultado fica à vista. Não há pior igualdade do que a ausência absoluta.
P.S. - Os números do Barême da Markteste mantêm o JN no topo das audiências da Imprensa portuguesa, ao lado (seis décimas abaixo) do Correio da Manhã, muito acima dos restantes jornais, diários, semanários ou desportivos. É assim há mais de 10 anos. Uma maçada para quem se sente incomodado por não calar esta voz do Norte. Um incómodo para quem, mergulhado em pensamentos abruptos, não discorre que nada disto acontece por acaso. Os números obrigam também a que alguém nos diga porque é que, na distribuição da publicidade do Estado, somos tratados como enteados. Alguém nos quer dizer porquê?