Soa mesmo a eleitoralismo socialista, esta nova normalidade do PS perder a sua vocação de poder por altura das eleições presidenciais.
Corpo do artigo
Um pouco como aquele tubarão de oportunidade, com razões para se sentir amplamente saciado ou mais do que capaz para ir à luta mas que prefere ficar à espera que a última presa lhe caia nas mandíbulas para lhe afiar "aquele" dente. Sem candidato presidencial em 2016 e sem candidato presidencial em 2021, eis o candidato-piloto-automático do PS: Marcelo Rebelo de Sousa. O recente episódio na Autoeuropa entre presidente e primeiro- ministro foi bem revelador: não houvesse limitação de mandatos e assim poderia ser para sempre, não fosse Marcelo obrigado a assumir o seu lugar político natural face à crescente demagogia à Direita e à marcação ideológica à Esquerda. Resta saber se o fará ainda durante a campanha ou se guardará o movimento de ajuste para o exercício do segundo mandato. As sondagens ditarão.
A estranheza de ver o PS sem candidato presidencial quando está no poder, ganha contornos mais esotéricos quando recusa apoiar uma candidata efectivamente sua, Ana Gomes. Se o não apoio ao "independente" Sampaio da Nóvoa há cinco anos se pode ler à luz do contexto, esta insistência em "não ir a jogo" revela falta de zelo democrático e, apesar do respeito pela decisão interna, escasso apreço militante. Ana Gomes não necessita de iluminar o seu currículo, não é uma militante qualquer. Mas a incomodidade que representa para o actual Governo é bem revelador do grau de conforto que Costa criou com Marcelo e do quanto o presidente da República agudizou o sentimento de orfandade na Direita.
Se é estranho que o PS não tenha candidato, é também excêntrico que o PSD não se reveja no candidato que tem. O PSD caminha com duas pedras no sapato, Marcelo e Rio, pelo que a tarefa não se afigura fácil no futuro próximo. É também revelador que, mais à Direita, o CDS se reveja no candidato que não tem. Este CDS moribundo e vítima de ataques internos cómico-ferozes de Nuno Melo além-fronteiras, acolhe agora Marcelo como o seu candidato, tentando (e bem) distanciar-se dos fenómenos populistas colados à sua Direita e sonhando retirar alguns dividendos do apoio a uma candidatura antecipadamente vencedora. O centro-direita parte para as eleições presidenciais perfeitamente desposicionado e em esforço. Sente-se a carregar um andor. À Esquerda, Marisa Matias e Ana Gomes irão obrigar Marcelo a ocupar o seu espaço político natural. O maior favor que Marcelo pode prestar à democracia é anuir e fazê-lo. É altura de servir de tampão às perigosas fendas extremistas que a sua ausência permitiu abrir na Direita. Será o grande desafio do seu segundo mandato.
Músico e jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia