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Faz seis meses. Mas parece que dura há uma vida. E o país quer que dure. Marcelo Rebelo de Sousa faz bem à política portuguesa. Faz bem ao país. Parece que não tem passado. Nem futuro. Só presente. Sempre. E essas são qualidades raras num político.
Em seis meses, como aqui escrevemos, o presidente da República foi ubíquo no tempo e no lugar, numa corrida desenfreada como se não houvesse uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão. E ele cria.
Ele é o amparo dos desvalidos e dos sem-fortuna. Das festas e das romarias. Dos atletas da alta competição e dos amadores. Das famílias dos mortos e dos feridos. Dos pobres e dos ricos. Dos elogios (seriam?) a Durão Barroso por saltar de presidente da Comissão Europeia para o império sombrio da Goldman Sachs. Aos elogios (estes são mesmo, parece) a António Guterres, candidato a secretário-geral das Nações Unidas, por ser o melhor de entre nós. E ainda fez uma dúzia de viagens e convidou o presidente do Banco Central Europeu para participar num Conselho de Estado.
Não é coisa pouca. Da popularidade construiu um poder que ultrapassa na perceção o que emana dos votos e da Constituição. Pacificou a sociedade portuguesa, ainda dividida ao meio entre o que parece estar a receber e o que receia pagar no futuro. A bonança e a austeridade. E ninguém lhe leva a mal o exercício da autoridade, a Esquerda ou a Direita, nas leis que vetou e nos alertas que deixa.
Fica o Governo. Não há grandes divergências, mas há claros recados ao primeiro-ministro. Como o do otimismo crónico e ligeiramente irritante. No retrato que Marcelo Rebelo de Sousa traça de António Costa, e que é o espelho dele próprio, há um país que quando acorda cada dia olha para o lado bom da realidade, mesmo sabendo que há um lado negro. "Escusa é de o fazer de forma excessiva sr. primeiro-ministro. Mas pode fazê-lo com os pés assentes no chão. Apesar de tudo há otimismos minimamente racionais".
Nessa racionalidade, António Costa vai deixando Marcelo "governar", enquanto lhe dá jeito, como não lhe deu nas 35 horas, nem no pedido de "entendimentos" nos contratos de associação, ou na polémica das viagens da Galp.
Nessa racionalidade, falta conhecer o lado mau de Marcelo Rebelo de Sousa. E ele sempre foi inocente como uma pomba. Mas astuto como uma serpente.
* DIRETOR-EXECUTIVO