A rentrée política do PSD desenterrou os machados de guerra a que a ida a banhos dos protagonistas domésticos nos tinha poupado durante alguns dias.
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Passos Coelho, certamente esquecido de que a sua popularidade e credibilidade, patentes nas sondagens, assentava precisamente no facto de ter decidido "dar a mão ao país", apareceu com pressa de chegar ao Governo. Ele a sua entourage, nomeadamente Ângelo Correia, parecem agora querer esticar a corda - o Orçamento será o pretexto - e ver os socialistas tombar. Estranhamente, fizeram mal as contas e precisam de Cavaco para esse fim: até ao dia 9, o PS tem de dizer o que vai fazer, senão…
Cavaco não vai certamente contrariar toda a filosofia do seu mandato a poucos meses de novas presidenciais e, não havendo Orçamento aprovado, o que sucederá é que se viverá de duodécimos. Por um lado, a despesa não aumentará mas os nossos parceiros europeus não terão palavras para classificar a estranha situação de um país em plena crise, tentando atacar o défice e incapaz de politicamente resolver o básico para depois atacar o essencial.
Ao esticar a corda do Orçamento, Passos perdeu definitivamente o estado de graça em que vivia. Afinal, ele quer, como os outros, o poder a qualquer preço. Tal ambição é legítima, mas o que os portugueses apreciaram na nova liderança do PSD foi a maneira correcta como foi agindo: sem pressa, marcando distâncias com correcção mas presente ao lado do PS no Parlamento nas votações que não poderiam ser perdidas. A partir de agora, Passos Coelho tem um longo trabalho pela frente, o de dar a conhecer aos portugueses propostas concretas e protagonistas prontos a aplicá-las; não parece que esteja pronto para isso se, por hipótese remota, o tal dia 9 virasse uma data chave no calendário político português.
O PS, com tudo isto, recuperou algum fôlego mas não fugiu à tentação de responder a Passos e ao PSD no mesmo tom. Infelizmente, a vida política portuguesa tem caminhado para um estado tal de crispação entre os principais protagonistas que os acordos se tornam cada vez mais difíceis. Mas não estamos na ruptura. Exceptuando o PCP e o Bloco, que sinceramente querem outra política, os restantes mais não fazem do que jogos, marcações de terreno, porque está claro que nenhum quer eleições no imediato.
Deixemos pois que as ondas alteradas por declarações duras de circunstância cumpram o seu papel de marés vivas da rentrée política. Da espuma sairá, de um lado e do outro, alguma disposição para negociar. O PS irá ao encontro de algumas propostas do PSD e este amaciará o discurso. Inevitavelmente.
P.S. - Neste regresso ao trabalho após um curto período de férias não posso deixar de recordar Mário Bettencourt Resendes, falecido no início do mês. Presto a minha homenagem ao Mário, meu querido Amigo, meu respeitado ex-director no DN. O Mário vai fazer muita falta ao jornalismo português porque era um homem sério, sereno, equilibrado, que sabia conviver com os que dele discordavam e sempre capaz de um toque de optimismo nas situações mais difíceis, de um aparte com graça nas conversas mais graves. Partiu cedo - diz-se que a morte sempre leva os melhores - e deixa um vazio enorme. A sua figura grande, marcante, de voz forte, revive nas nossas memórias, cabendo-nos a nós, jornalistas como ele, manter vivo o jornalismo responsável e credível que sempre praticou.