Foi a enterrar a 13 de junho uma das figuras grandes da Universidade do Porto: Maria Cândida Carneiro Pacheco.
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Jubilada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi uma professora emérita de Filosofia, fundadora do Instituto de Filosofia Medieval que dirigiu durante cerca de 20 anos.
Pude conhecê-la mais de perto nos últimos dois anos e não hesito em afirmar tratar-se de uma das mais refinadas e límpidas intelectuais da nossa contemporaneidade.
Com um espírito acutilante, apesar da evidente fragilidade física, remetia-nos com a facilidade dos poderosos para os grandes enigmas do tempo e do espaço e da sua relação com a criação e a transcendência.
Menina de berço de oiro, de quem provavelmente se esperaria comportamento mais terreno e familiar, cedo se entusiasmou com as questões filosóficas essenciais, tendo procurado incessantemente quem as tratasse de forma arrojada e original.
Como dizia, com desarmante simplicidade, "encontrei S. Gregório e nunca mais o larguei!".
De facto, num trabalho que demorou mais de uma década, Maria Cândida Pacheco explorou Gregório de Nissa, um padre da Igreja do século IV a quem se compara "numa certa inquietação, numa aguda consciência do tempo e da sua fugacidade, na busca ávida e perturbada de certezas, no meio de uma indefinida atitude cética" conforme se pode ler na Nota Prévia da sua tese de doutoramento "S. Gregório de Nissa - Criação e Tempo".
A qualidade da sua reflexão e o rigor da sua entrega colocaram-na num estreito patamar de excelência, como investigadora e autora e como docente cujos alunos, muitos de exigência intelectual comprovada, não mais esqueceram a luz dos seus argumentos e a clareza da sua pedagogia.
Pude maravilhar-me com a extensão dos seus conhecimentos, com a sua birra platónica e o seu realismo aristotélico. Mas pude também ouvir sobre um Porto e uma Santarém de outros tempos. Sobre uma viagem de estudo sozinha a Paris, coisa inédita para uma menina de sociedade, sobre o maravilhamento da descoberta de uma das melhores bibliotecas de filosofia medieval, mas também sobre a sua querida praia de Ofir onde adorava mergulhar no mar frio e revigorante.
António de Lisboa, a quem também estudou em profundidade, levou-a do nosso convívio a 13 de junho que, também por isso, é este ano ainda mais triste.
*Analista financeira