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É verdade, "o seu nome é Maria", como canta Reininho, e coisa mais portuguesa não há, mas no resto, francamente, Maria de Jesus Barroso tem muitas coisas que a distanciam do padrão médio nacional. Desde logo, até pelo nome, não o próprio, mas o apelido de solteira, que contra a lógica e a importância do cabeça de casal, Mário Soares, ela manteve. Depois, por todo o seu percurso, grande, muito.
Começou pela cultura, esse setor mal-amado pelo povo e pelas elites. Segundo o recente estudo que analisou os últimos 30 anos de Portugal entre 1999 e 2013, Portugal foi o país europeu em que a relevância dos gastos com cultura e lazer mais caiu, e há dois anos éramos o segundo país que menos gastava em cultura, superando apenas a Grécia. E foi logo para o teatro, essa arte em vias de extinção com o ferrete de "subsídio-dependente".
Mal começou, chegou a um dos lugares mais almejados (não, não era uma novela na televisão), o Teatro Nacional, o que, contra todas as leis do acomodamento por que se regem tantas vidas, não a impediu de se manifestar contra o regime ditatorial, atitude que nunca abandonou, chegando a ser candidata pela oposição democrática.
Foi proibida de representar, foi proibida de dar aulas, sim, porque não lhe chegava ser da cultura, também foi do ensino, outra área tão depreciada nos tempos que correm, mas não montou universidade de curso rápido, dirigiu um colégio prestigiado fundado pelo seu sogro.
Antes e depois do 25 de Abril, integrou uma classe que também não cai bem no todo nacional, a dos políticos. Fundadora do PS, foi deputada eleita por Santarém, Porto e Algarve, e como primeira-dama soube talhar o cargo à sua magistratura de influência, como nenhuma outra, desenvolvendo atividades na área da cultura, da educação ou da solidariedade.
Quando saiu de Belém, poderia ter-se ficado pela doce reforma, mas nunca parou, como presidente da Cruz Vermelha ou como fundadora de várias instituições de defesa dos direitos humano, num país tão pouco habituado a uma sociedade civil atuante e independente.
Olhando para isto tudo e juntando-lhe ainda a capacidade que teve, em todos os momentos, para se mostrar uma voz própria, para além e mesmo em sentido contrário à figura poderosa do seu companheiro de uma vida, e acho que dá para perceber o tão pouco que ela é portuguesa típica e quanto Portugal deve, pelo exemplo, a esta figura. Na primeira página do JN, pusemos "Maria Barroso - Uma mulher de causas", mas estivemos mesmo para pôr "Maria Barroso - Uma mulher singular".
*SUBDIRETOR