Primeiro, houve uma tentativa de comprar a paz através da garantia de um emprego ao autarca despedido. Agora, chega a fase da ameaça velada de expulsão do partido. Pelo meio, o candidato oficial protagonizou intervenções que o transformaram numa caricatura bastante popular na internet. No final, tudo poderá acabar com a multiplicação de candidaturas independentes e, consequentemente, com a perda, pelo PS, de uma autarquia que sempre controlou. Assim vai a luta pelo poder em Matosinhos: autofágica.
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A melhor leitura da situação talvez tenha sido a de Marques Mendes, que paira sobre tudo, de tudo sabe e de tudo fala, espécie de "drone" do comentário político - como o classificou Alfredo Leite, numa crónica aqui no JN. Estamos a assistir, alerta o antigo líder do PSD, "a uma espécie de grau zero da vida política". À parte o facto de prestar mais atenção aos candidatos adversários do que ao do seu partido, o comentador conclui, certeiro, que "o PS, de há vários anos a esta parte, usa e deita fora" os seus candidatos: primeiro Narciso Miranda, agora Guilherme Pinto.
A história recente é conhecida. A coberto de alegada democracia interna, mas na verdade vítima de ajuste de contas interno, o atual presidente, Guilherme Pinto, foi "despedido" ainda antes do final do mandato, por António Parada, líder da Concelhia. Com a cumplicidade de José Luís Carneiro, que o derrotou em eleições para a distrital socialista do Porto, depois de uma campanha com duros ataques pessoais de parte a parte. Apesar de fascinados com a hipótese de chegar ao poder (Parada) e de ajustar contas (Carneiro), os líderes concelhio e distrital confrontam-se com a ameaça implícita de uma candidatura independente do atual presidente. E passaram então, para citar Marques Mendes, "ao gau zero da política": comprar Guilherme Pinto com a promessa de uma carreira política nacional e, quem sabe, europeia.
O primeiro sinal foi dado por José Luís Carneiro, em entrevista ao JN: "A minha preocupação, agora, é encontrar espaço para que Guilherme Pinto possa participar ativamente no projeto do PS para o distrito e para a região". Mais terra a terra, António Parada explicitou, uns dias depois, o que é que isso queria dizer: "Há mais vida para além da Câmara. Se [Guilherme Pinto] entender ir na lista às legislativas terá o apoio da Concelhia". A garantia foi devidamente alargada a um lugar no Parlamento Europeu. Guilherme Pinto não serve para autarca, mas não se tornaria um "desempregado" da política: tem qualidades que sobrem para garantir um lugar de deputado e, quem sabe, alimentar o sonho europeu.
Assim colocada a questão publicamente, a reação de Guilherme Pinto não poderia ser outra. "Matosinhos não é um negócio, nem está à venda". Quase pode tomar a frase como um dos lemas para a sua campanha como "independente". Com um agradecimento a rivais tão empenhados, mas simultaneamente tão frágeis e politicamente tão básicos. De nada serve vir agora Carneiro tentar desmentir à pressa Parada, afirmando que nunca colocou em cima da mesa do jantar um lugar de deputado ou de eurodeputado. Como diz o ditado, "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és". E no caso da escolha do candidato do PS à Câmara de Matosinhos, Parada e Carneiro andam há muito de braço dado.
Não é preciso ser uma pitonisa para perceber o que se vai seguir. Guilherme Pinto, empurrado pela sua vaidade e autoestima, pelas sondagens e pela perceção de que estar no poder é uma vantagem sobre todos os outros, estará a dias de anunciar a sua candidatura como "independente". Quando isso acontecer, não tardará a sair da toca outro "independente" socialista - Narciso Miranda - que o partido varreu para debaixo do tapete. E até o candidato do PSD, Pedro da Vinha Costa, derrotado à partida, poderá sonhar com a vitória - bastará o milagre de recuperar o patamar de 30% que o PSD chegou a ter, quando teve candidatos que a população respeitava, em vez de paraquedistas como José Guilherme Aguiar, o homem que, há quatro anos, conseguiu um dos piores resultados de sempre do PSD em Matosinhos e que, ainda na noite da derrota, começou a garantir o acordo que lhe providenciaria um lugar de vereador a tempo inteiro. Mais um exemplo, afinal, de grau zero da política. Sempre com Matosinhos como pano de fundo.