A realidade é como as matrioskas russas: feita de camadas que podem ser vistas das mais diversas perspetivas. A política é o exercício de elevar ao máximo a arte de colocar em evidência a boneca que mais convém dar a ver. O Instituto do Emprego e Formação Profissional divulgou dados segundo os quais o número de inscritos nos centros de emprego caiu 13,8% em fevereiro. Uma "boa" notícia, que o ministro Pedro Mota Soares se apressou a considerar sintoma da redução "lenta, mas consolidada" do desemprego em Portugal.
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Há dúvidas a que os números, no entanto, não respondem. Quantos destes desempregados saem das estatísticas por via da emigração, por exemplo? E é aqui que procurar contexto e escavar uma nova camada pode tornar-se uma chatice. Nos últimos seis anos, mais de 330 mil trabalhadores por conta de outrem saíram das estatísticas de emprego do INE porque foram empurrados para a reforma ou para a emigração. O VAI, mais do que o pouco prometedor programa de atração de emigrantes VEM, continua a ser a solução para muitos portugueses que não encontram respostas em território nacional.
A matemática nem sempre é uma ciência exata e os números dizem aquilo que forem obrigados a dizer. Veja-se outro exemplo, o dos cofres cheios da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. O nível de depósitos do setor público ultrapassou os 17 mil milhões de euros no final de janeiro, o valor mais alto de que há registo. Mas agora abra-se a matrioska para analisar o aparente conforto. Este dinheiro é dívida e tem de se pagar juros por ele. É como pedir um empréstimo de 50 mil euros e guardá-lo todo contente num cofre em casa, sem reparar que todos os meses estará a pagar caro por esse pequeno tesouro. Ora, em 2014, a dívida custou aos contribuintes quase metade deste valor que temos no "cofre".
Cada um escolhe a matrioska de que mais gosta. Quem preferir uma imagem suavizada da realidade, em tons primavera, pode agarrar-se ao otimismo que alguns indicadores divulgados esta semana parecem autorizar. Quem tem esta mania de descascar coisas e olhar para lá do óbvio, arrisca-se a não ficar tão sossegado.