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Ainda é Agosto, ainda tenho tempo para o meu contributo para a Silly Season.
Uma pequena boa história para o fim do mês.
Sei que nada há de silly em começar assim: diz João que Cristo foi recebido em Jerusalém com ramos de palmeiras; a população saudava aquele homem que passava, aquele homem triunfante no dorso de um burro, com uma espécie então próspera na região. A tamareira-da-judeia.
Os romanos cunharam moedas com imagens desta tamareira, em jeito de ironia, provando que o tributo a Roma não era só o tributo a Roma. A subjugação de um povo, e da palmeira também medicinal que este usava para curar os leprosos e para dar de comer às crianças - um destes factos foi inventado por mim -, estava também cunhada nessa moeda. E os judeus não gostaram.
Subjugar as palmeiras, pô-las em moedas, e exportar as tâmaras para Roma ainda é admissível. Mas cercar Jerusalém e destruir o Segundo Templo já mói o espírito. A revolta judaica continuou em Massada, uma fortificação no topo de um planalto. No entanto, basta visitar o Panteão para saber que o poder romano é eterno e omnipotente. Em 73 d. C., a população ainda resistia em Massada - depois, antes que as legiões romanas tomassem a fortificação, suicidou-se. Massada ficou uma solidão de pedra.
Segue-se a isto que o tempo continua. Jesus fez carreira. Os romanos foram e vieram. O povo judeu nunca mais viu Massada, e mais errante e sofredor continuou. A tamareira-da-judeia, deparando-se com a terra vazia dos verdadeiros donos, sentiu-se só de quem a amasse. Extinguiu-se de desgosto com alguma ajuda dos Cruzados, que dizimaram as últimas palmeiras. (E do clima, que mudou nos mil anos seguintes, diz quem sabe.)
Depois da criação do Estado de Israel, Massada - memória perdida no topo de um planalto - foi explorada por arqueólogos. Aposto que ainda se ouviam os berros dos heróis suicidas. Longe da berraria, numa antiga dispensa escura e seca, os arqueólogos encontraram uma ânfora com sementes. Acabavam dois mil anos de esquecimento.
Em 2005, Elaine Solowey e Sarah Sallon souberam das sementes, entretanto guardadas em Jerusalém, e decidiu germiná-las. Não sei com que magia branca, com que magia bíblica, é preciso regar uma semente com dois mil anos para que esta germine. Nem que versículos lhes terão lido estas duas cientistas.
Do fundo do vaso e do fundo da história, qual fôlego que se recusa a permanecer na cova, surgiu um talo de palmeira. Nascida das sementes dos revoltosos de Massada numa época já sem rebelião e já sem romanos. Quem a guardou na ânfora nunca imaginou que daí nasceria uma palmeira-da-judeia à qual chamariam Matusalém. Nem que outras nasceriam, ressuscitando a espécie.
E eu acho maravilhoso que a realidade seja mais poética e tenha mais palmeiras do que a ficção.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)