O leitor tem a ideia de que o VIH SIDA é a doença mais alarmante da nossa sociedade? Se tem essa ideia, pode trocá-la por outra: a hepatite C é mais calamitosa porque atinge nada menos de 150 mil portugueses e fá-lo num grau muito superior de estigmatização social. Mais: para além dos infetados com hepatites, temos ainda os alcoólicos e os obesos perfazendo cerca de um milhão de portugueses com maus fígados, por assim dizer.
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Graças ao esforço de cidadania de um gastrenterologista, por feliz circunstância diretor do serviço de um hospital de excelência como o São João, fomos todos convocados (doentes, médicos, jornalistas, políticos, associações cívicas e até a Igreja) para um esforço de concertação de modo a que deixemos de fazer de conta, embarcando mais no debate das doenças mais na moda, pagando os nossos impostos mais a demagogia política do que propriamente a cura das doenças mais devastadoras e mais estigmatizantes.
Pelo que todos percebemos na reunião de ontem, no Porto, sobre "A saúde do fígado e o roteiro pela inclusão", as decisões políticas em matéria de tratamento da hepatite C chegam tarde e a más horas. Sim, é verdade que ainda recentemente o Governo decidiu comparticipar dois novos medicamentos, mas não os melhores. Já há outros e com melhores provas prestadas nos EUA mas também na nossa Europa.
Aqui chegados, podemos convocar o cinismo para fazer a perguntar da moda, ou da troika: mas temos dinheiro para nos habilitarmos com esses medicamentos e esses tratamentos?
Não tendo a saúde preço, esta deveria ser uma pergunta interdita, sobretudo conhecendo, como todos conhecemos, como Estado português fez negócios ruinosos precisamente na... Saúde.
Ainda assim, pasme-se, há estudos que comprovam eloquentemente que do ponto de vista financeiro não prevenir, não tratar ou retardar a entrada em tratamento de infetados é catastrófico do ponto de vista do Orçamento do Estado.
A reclamação de doentes e médicos por um plano nacional para as doenças do fígado, que há anos espera por luz verde da Direção-Geral da Saúde deveria poder ser casada com a ideia que todo o País já interiorizou: poupar.
E por que raio não acontece nada?
Pela simples razão de que as agendas e programas dos partidos correm atrás do que é mais popular, sensacionalista, ou está mais na moda. É triste dizê-lo assim mas o VIH SIDA está mais na moda do que a hepatite C e é por isso que merece maior cuidado.
Quando participamos em reuniões deste género, que não deixam espaço à demagogia, verificamos como é pobre o debate político. E, em consequência, como é pobre o espaço público, mesmo quando se debate o bem mais precioso.