A melhor forma de garantir a independência de um órgão de Comunicação Social é fazê-lo depender dos leitores. A melhor forma de ter pluralismo é ter um mercado cujos leitores sustentem vários órgãos de Comunicação Social.
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Infelizmente, nem sempre o mercado garante isto. Um mercado onde a informação está nas mãos de um monopólio é tão inimigo do pluralismo e liberdade de Imprensa como se esta estiver sujeita ao controlo de um Governo: em ambos, existe apenas uma fonte de informação, na dependência de quem controla o Estado ou de quem tiver o monopólio no mercado. Um erro usual (ao qual regressarei noutra ocasião) de quem analisa Estado e mercado é presumir que o Estado é sempre uma expressão do interesse público (quando pode ser frequentemente controlado por interesses particulares, políticos ou económicos) e que o mercado é sempre um espaço de liberdade (quando pode frequentemente gerar posições de poder).
Na Comunicação Social o papel do Estado deve ser aquele de proteger e promover a independência e pluralismo dos média. Idealmente, contribuir para um mercado aberto, alargado e sustentável em que a Comunicação Social esteja o mais dependente possível dos leitores, espectadores e ouvintes e não dos interesses de um Governo ou de um qualquer particular. Há setores em que se verificou uma intervenção direta do Estado. Nas democracias isso é excecional e ocorre quando o mercado não produz suficiente pluralismo ou cria mesmo monopólios (por ex., as agências de notícias). Para além de ser a exceção e não a regra, tal intervenção deve separar o Governo, com as suas preferências políticas, desse papel do Estado. Nas TV públicas isso faz-se, usualmente, através da sua sujeição a órgãos independentes. Nas agências de notícias, cujo estatuto de quase monopólio e domínio de grande parte das notícias as transformam em bem público, o modelo até poderia ser uma fundação ou associação cujo controlo fosse partilhado por todos os órgãos de Comunicação Social.
A questão que se discutiu nos últimos dias foi a de saber se a atual crise da Comunicação Social, decorrente da diminuição das receitas tradicionais dos média, justificaria um reforço do papel do Estado, em particular apoiando financeiramente os órgãos de Comunicação Social privados. É verdade que quando a Comunicação Social deixa de ser sustentável através das receitas que o seu próprio negócio gera a sua independência e pluralismo ficam em causa. Mas tudo o que seja substituir receitas provenientes dos leitores e espectadores (diretamente, através da compra dos conteúdos, ou indiretamente, através da publicidade) por receitas do Estado deve ser visto com enorme suspeita e receio. O papel do Estado deve antes concentrar-se, neste contexto, em tornar essas empresas de Comunicação Social mais sustentáveis alargando as receitas que os seus leitores e espectadores lhes possam trazer. Isso pode ocorrer (como já é o caso) apoiando a transição tecnológica dessas empresas, promovendo uma adequada distribuição das receitas do negócio entre plataformas digitais e órgãos de Comunicação Social e mesmo abrindo portas a novas formas de negócio (por ex., se as plataformas digitais passarem a ter de permitir aos seus utilizadores a incorporação de aplicações de notícias ou fact check, desenvolvidas por órgãos de Comunicação Social). O problema dos média é hoje, sobretudo, um problema de transição entre modelos de negócio. O consumo de notícias tem aumentado, de forma que o negócio em si tem viabilidade. Não me surpreenderia que ocorresse com o consumo das notícias uma evolução semelhante ao que aconteceu com o mercado da música. As próprias tecnologias, com a estrutura de incentivos certos, podem oferecer a solução de sustentabilidade que procuramos.
O Estado também pode e deve facilitar o reforço do ecossistema de apoio à Comunicação Social, seja reforçando a independência e competência dos reguladores (o que passaria também entre nós pela fusão entre o regulador das comunicações - meios - e dos média - conteúdos - dada a sua interdependência atual), seja incentivando e facilitando (nomeadamente por via fiscal) o surgimento de organizações e projetos de apoio à formação dos jornalistas ou projetos de investigação (como a Gulbenkian acaba de introduzir entre nós), seja, por último, permitindo aos cidadãos que dedicassem uma parte dos seus impostos para apoiar projetos dos órgãos de Comunicação Social (como já acontece para outras áreas). Este último mecanismo poderia até assumir a forma de um "crédito" que todos os cidadãos poderiam usar para fins de financiamento de certas atividades (detalharei esta ideia num artigo separado).
O fundamental com todas estas ações que o Estado pode promover é que reforçam a sustentabilidade dos órgãos de Comunicação Social mas através da sua dependência dos leitores e cidadãos e não do Estado.
*Professor universitário
