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Os partidos políticos com assento na AR fazem constar dos respectivos programas, com absoluta prioridade, o combate à corrupção. Nesse mesmo sentido, os sucessivos governos vêm adoptando medidas legislativas que permitam, em seu entender, uma melhor resposta e eficácia na luta efectiva contra este tipo de crime.
É intolerável que uma República baseada na dignidade da pessoa humana, identificada na CRP como um Estado de direito democrático, surja refém deste tipo de criminalidade, que pode, em último caso, destruí-la, mas de certeza a torna frágil e devassa. O crime de corrupção descredibiliza a excelência, transparência e legalidade da actuação dos representantes do Estado no exercício das suas funções, ou por causa delas. Foi por isso que, designadamente, além de outras relevantes medidas em 2002, se estabeleceram novas medidas de combate à criminalidade grave, maxime económico-financeira, estabelecendo um regime especial de recolha de prova, nomeadamente o registo de voz e de imagem. Em 2010, ampliou-se, de certo modo, o conceito de corrupção, criminalizando-se o recebimento indevido de vantagem, e esclareceu-se, definitivamente, quais os elementos típicos do crime de corrupção passiva. Em 2021, foi aprovado pelo Governo um conjunto de diplomas relativos ao fenómeno corruptivo e crimes afins, integrado na Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024. A actual ministra da Justiça apresentou novo pacote, de 30 medidas, com o mesmo objectivo. Desta pequena mostra, parece resultar uma forte aposta no combate à corrupção, “essencial ao reforço da qualidade da democracia e à plena realização do Estado de direito”, pode ler-se no preâmbulo da resolução que aprovou a citada estratégia. Importa, ainda, sublinhar que o crime de corrupção envolve sempre a actuação ilícita e venal de um funcionário, “lato sensu”, e que a “lei dos políticos” prevê penas agravadas, quando aquele crime é cometido por políticos e alto funcionários do Estado. Crê-se, então, que o que importa combater é a corrupção praticada por estas altas entidades, pois não se justificaria o recurso a tão graves e intrusivas medidas para debelar a corruptela! Paradoxalmente, vozes de vários quadrantes exigem, em simultâneo, uma profunda reforma da justiça para, de entre outros objectivos, limitar e dificultar a investigação da corrupção quando em causa estão políticos! Se não se pode investigar um político suspeito de práticas corruptivas, para quê tantas medidas? É que estas têm sobretudo como destinatários os altos funcionários, “lato sensu”, enquanto detentores do poder de decisão e de mercadejar as suas funções.
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)