Se tive problemas a entrar no avião? Não, mãe, credo. A porta é grande e eu não estou assim tão gorda..., respondeu , com graça, a mãe da Tânia, na chamada que fez para sossegar a mãe dela (a avó da Tânia), dizendo-lhe que tinham chegado bem. Não pude deixar de ouvir a conversa, pois elas sentaram-se na fila atrás da minha no autocarro que nos trouxe do aeroporto de Bergamo à Stazione Centrale de Milão.
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Reparei nelas quando entraram no autocarro, bem arreadas e melhor maquilhadas, se calhar um pouco excessivamente para uma manhã de sábado, mas até a mãe começar a falar ao telefone ainda desconfiei que fossem da Foz, se calhar até vizinhas do Rui Moreira.
Fiquei a saber que tinha sido a primeira vez da mãe, mas que não teve medo, apenas se sentiu um pouco nervosa e por isso não pregou olho durante o voo, ao contrário da Tânia, que começou a dormir logo após a descolagem, pois como está habituada a voar, encostou a cabeça, fechou os olhos e zás.
"Estás a ver aquela loja? Nunca vi lá nada assim. Temos de ir ver", disse a mãe à filha, que respondeu entusiasmada: "É coisa para dar lá". Maldisse a distração que me impediu de ver de que negócio estavam a falar. Só sei que já estávamos em Milão, a passar na piazza Loreto, e que de toda a cusquice foi esta a frase que me ficou a bailar na cabeça.
O efeito benéfico da Ryanair para a nossa região é duplo, uma estrada de dois sentidos. Os Boeing 737 não só trazem turistas, que são uma formidável injeção de animação e consumo, mas também levam as Tânias e as suas mães a viajar, a ganharem mundo e a trazerem para cá novas ideias de negócios bebidas lá fora.
Nunca nós, portugueses, viajamos tanto como agora. Nunca, nas nossas vidas, beneficiamos tanto da transfusão de novas culturas e hábitos, proporcionada não só pelo aumento dos turistas que nos visitam mas também dos estudantes estrangeiros que vêm para cá viver ao abrigo do programa Erasmus.
Nunca foi tão fácil aos nossos jovens qualificados arranjarem emprego lá fora, o que não é necessariamente uma coisa má, porque se partem é porque vão viver melhor e se têm procura é porque tiveram uma formação de qualidade.
A mobilidade, não só de bens e serviços, mas também de pessoas, é a pedra de base da construção europeia. E ninguém se queixa do Ronaldo estar no Real Madrid e da seleção alinhar com dez jogadores que trabalham em clubes estrangeiros.
Neste tempo de "novas novidades desvairadas mudanças de vidas e de costumes" (a frase que o cronista Rui de Pina usou para descrever um outro tempo em que os portugueses se fartaram de viajar) não me pareceu despropositado meditar sobre o que a conversa da mãe da Tânia, nos ensina sobre nunca ser tarde para mudar a estupidez e"resistir à mudança.
Estes tempos obrigam-nos a mudar mais vezes ao longo da vida - mais rapidamente. Adaptação, diferenciação e inovação são a chave para nos desembrulharmos na vida. Sabiam que a Tui, o maior operador turístico europeu, foi criada por dois tipos que tinham feito carreira na indústria siderúrgica?