No final de Agosto, num artigo inspirador com o título, "Desmodernização", publicado no jornal online Dinheiro Vivo, 26/08/2011, Pedro Bidarra procura explicar o retraimento absurdo que se apoderou da sociedade portuguesa, esclarecendo que a ameaça de "desmodernização" de que ele trata se refere à cultura e às mentalidades e confessa, por fim, que "parece que o país está todo cheio de medo": - "Ora quando o que é novo não inova, e copia o velho para ter sucesso, é sinal de "desmodernização", é sinal que nos retiramos para a segurança do lugar-comum. O que não deixa de ser paradoxal, pois fora do comum são exactamente os tempos que vivemos, tempos absolutamente originais e com problemas absolutamente originais." Para concluir: - "Este seria o tempo para ser moderno, esta seria a altura de ser criativo e original e deixar o conservadorismo aos que têm medo."
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Pedro Bidarra aponta 2008 como "o ano em que o nosso mundo começou a acabar". É certo que a modernidade pereceu inúmeras vezes e ressurgiu outras tantas em múltiplos lugares, mas nunca, como agora, se tinha generalizado a todo o Ocidente esta percepção de esgotamento e de ruína inelutável que alastrou da Grécia aos EUA, da Ibéria à Escandinávia, de Dublin a Roma, a Londres, Paris e Berlim. A Islândia, em 2008, ressuscitou o fantasma da "dívida soberana", uma categoria que há muito caíra em desuso na Europa. E o Ocidente, pátria da modernidade que ele, outrora, impôs a todo o Mundo, rendeu-se à força invisível dos mercados, também eles obra da sua invenção. O ideário político que é hoje hegemónico na Europa e que nos EUA, através da maioria Republicana na Câmara dos Representantes, impôs a mesma "receita" ao presidente Obama, transformou a dívida soberana num expediente para obrigar os seus cidadãos a subsidiar a economia de casino em que se transformou o mercado financeiro global que, todavia, não se atreve a regular.
É bom de ver que depois de testado o seu sucesso nas democracias economicamente mais frágeis, a "receita da austeridade" ameaça a própria subsistência dos regimes democráticos. O Estado moderno, outra remota invenção da filosofia política do Ocidente, só alcançou concretização plena na Europa continental. Até hoje, não há tradução literal para inglês do princípio do "Estado de Direito". O melhor que se conseguiu, foi traduzi-lo por "Rule of Law", o que etimologicamente significa "Poder da Lei", em particular, a obrigatoriedade de os impostos serem criados através das leis do Parlamento, órgão da representação do povo - os mesmos, afinal, que os tinham de pagar. Como se vê, uma ambição que só mais tarde se aproximaria do ideal "kantiano" do Estado de Direito, concebido como a "sociedade politicamente organizada", subordinada aos valores da justiça e da dignidade humana, que hoje serve de "modelo" às democracias constitucionais.
Se a busca do sucesso individual dispensa o apreço por uma convivência decente entre cidadãos livres e iguais e se a velha ideia de "progresso" é reduzida à miragem do crescimento ilimitado da riqueza, único motor dos mercados financeiros e barómetro da felicidade geral, então as instituições públicas já se tornaram inúteis, as receitas que consomem serão incomportáveis e o Estado moderno, com os seus complexos sistemas de representação democrática e solidariedade social, incluída a União Europeia, um desperdício a eliminar. O medo inibe rasgos imaginativos e alimenta a resignação.
Juntando-se ao coro cada vez mais amplo dos que denunciam a "receita da austeridade", o Fundo Monetário Internacional já alertou para os riscos de recessão mundial e a Conferência para o Comércio e o Desenvolvimento da Nações Unidas sublinhava esta semana, em Genebra, que as dívidas públicas na Zona Euro são consequência da crise e não a sua causa que, dizem, antes residiria no impacto perverso das crescentes discrepâncias de salários nesses países, sobre a competitividade da região ("Diário Económico", 7/9/11). A deplorada preguiça dos povos do Sul, além de geograficamente inadequada, parece não ser a explicação para o défice...