Corpo do artigo
O mar estava picado, não fosse hora de mudar a maré. O casal, com um menino de uns quatro anitos, falava alto, numa conversa aos picos como as ondas. Dividiam palavras como "parva", "estúpido", "palerma" e "sonsa" numa discussão sem nexo. De repente, o homem agarrou no puto, correu com ele até ao mar e, rindo alto, mergulhou-o uma, duas, ene vezes. A criança gritava e pedia clemência, com o olhar, à mãe que ficara na areia e também ria, até gritar para o homem parar. Ele parou. O menino chorava e tremia de frio, apesar de embrulhado numa toalha. O homem berrou: "És um medricas, moço. Não sais ao teu pai". "Medricas não és. Só palerma", atalhou a mulher. Ele contrapôs, sempre a falar alto: "O meu pai tirou-me o medo com mergulhos no mar". Fez-se silêncio. Só o menino, em soluços, murmurava: "Mar não, mar não".
Jornalista