Na próxima terça-feira, o meu filho, de 8 anos, inicia o ano letivo. Desta vez, a alegria que lhe transmitirei por abrir uma nova etapa não será tão genuína como a dos anos anteriores. Desta vez, terei medo. Todos nós teremos medo nesta rentrée escolar, eu sei. Porque a pandemia continuará a abalar o (nosso) Mundo.
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Este será o ano letivo mais difícil de todos. A edição de ontem da revista "Courrier International" titulava em capa "Caos mundial" a propósito deste assunto. Já pensámos o mesmo ano do ano letivo anterior, em que fomos atirados inesperadamente para casa. Nesse casulo protetor, onde redimensionámos as fronteiras das esferas pública e privada aprendemos muito. Agora temos de sair para o exterior e viver a pandemia uns com os outros. No seu último livro sobre este tema, Slavoy ŽZizek escreve que chegou o tempo de "saber controlar-nos e disciplinar-nos a nós próprios". Essa dependência dos outros coloca-nos numa enorme vulnerabilidade. Basta um de nós ficar infetado para começar uma cadeia de contágio e isso deve obrigar-nos a apertados comportamentos de prevenção, a apurados procedimentos éticos e a um cuidado permanente com a nossa saúde. Em casos suspeitos, o melhor será sempre não arriscar. Nada.
No meu caso, faltam quatro dias para o arranque do ano letivo. Lá estaremos todos, lado a lado, com colegas oriundos de meios diversos, transportando cada um de nós contactos de ambientes variados. Os mais pequenos nem sempre vão usar máscara, nem sequer vão saber manter distanciamento físico. E é com essas contingências que teremos de viver.
Num outro livro que li estas férias, intitulado "O futuro por contar: como a pandemia vai mudar o nosso Mundo", o seu autor, Ivan Krastev, defende que o Mundo está a passar por uma mudança profunda, porque não mais será possível voltar atrás. Estamos marcados por este tempo em que percebemos que o contágio à escala global é rápido. Transportaremos essa consciência connosco, certos de que, tal como lembra Krastev, o sucesso do controlo social depende mais da aquiescência voluntária do que da imposição.
Terça-feira, quando sair da garagem com o meu filho, sei que farei o percurso em direção a um novo ano letivo com o coração apertado. Como sempre, vou procurar uma música para cantarolar com ele, mas desta vez será uma desculpa para descomprimir. A rotina encarregar-se-á de reduzir a ansiedade, mas o medo estará lá de forma latente. Ajudará pensar que estaremos todos juntos na travessia deste deserto viral.
*Prof. Associada com Agregação da UMinho