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1Pedro Passos Coelho ainda não sofreu o gosto amargo da tradição em que o PSD se tem tragicamente destacado: uma oposição interna feroz e destrutiva cujo efeito inapelável tem redundado no facto de que cada liderança é canibalizada pela anterior e assim sucessivamente, para gáudio dos seus adversários à esquerda e à direita.
Mas a esmagadora votação interna que Passos Coelho adquiriu não foi o único factor que aquietou a raiva mal escondida dos seus opositores - as iminentes (mas não eminentes) eleições presidenciais foram a condição suprema que adiou a costumeira algazarra no partido laranja. O tão apregoado "novo ciclo" na política indígena a partir da reeleição de Cavaco Silva tem já como efeito inicial e inegável o previsível altear da vozearia de muitos dos que foram derrotados há um ano e que farão tudo, mas mesmo tudo, que estiver ao seu alcance para que Pedro Passos Coelho nunca venha a ser primeiro-ministro. Nem que, para isso, enlacem as suas tácticas políticas com a estratégia pessoal de José Sócrates.
2. Primeiro foi Santana Lopes. Com uma justificação política e intelectualmente tosca, arremessou o nome de Rui Rio para líder ideal de um partido em que ele próprio, presume-se, experimentaria um papel tonificante para o seu próprio ego. Logo a seguir, em contraciclo com o que tinha acabado de declarar, afirmou-se desiludido com o PSD e a política.
Santana Lopes tem uma incapacidade irreparável para acolher o valor do silêncio - queixa-se dos políticos (como se ele alguma vez tivesse sido outra coisa), dos não-políticos, fala muito, incessantemente, antes e após o tempo oportuno, obsessivamente centrado em si, sobre o que lhe fazem, o que lhe fizeram e o muito que imagina lhe pretendem causar.
Santana Lopes esquece-se do que deveria significar já ter sido líder do PSD e primeiro-ministro de Portugal. E ainda que a memória histórica não lhe seja favorável, deveria acalentar a esperança de poder vir a ser uma opinião respeitada na sociedade portuguesa. Ao invés, cada vez mais, assemelha-se a uma "voz Deolinda" fora da geração e da realidade, que já ninguém consegue levar a sério.
Desta forma, é natural que a sua oratória ininterrupta e aligeirada seja aproveitada para fazer as vezes de "galgo coelheiro" da táctica de outros que nada quererão com ele caso venham a obter algum êxito - é o que se passa com Rui Rio e Pacheco Pereira.
3. Rui Rio poderia ter sido presidente do PSD quando Durão Barroso fugiu para lugares mais auspiciosos - mas fez os cálculos e resolveu que ainda não era o momento. Foi o primeiro vice-presidente de Santana Lopes e estava em posição privilegiada para lhe suceder quando este baqueou - mas a sua contabilidade particular dizia-lhe que não tinha chegado o ensejo de avançar e permitiu que o partido fosse liderado por Marques Mendes. Quando este caiu, Rio deveria ter acometido contra Filipe Menezes - mas computou que a sua hora não tinha ainda assomado e retraiu-se outra vez. Muitos dos seus esperançosos seguidores julgaram que o fim da liderança de Menezes significaria o advento de Rio - mas não, novamente, este mostrou não possuir a audácia exigida e preferiu empurrar Ferreira Leite. Quando esta foi derrotada, Rio hesitou, titubeou, voltou a decidir não ir a votos e - pasme-se! - tudo fez para que Paulo Rangel fosse derrotado apesar de não esconder a sua oposição a Passos Coelho...
Agora é o mesmo Rui Rio que surge a defender a permanência do Governo Sócrates até ao fim do mandato, porque, tal como elucidou o seu inevitável profeta, Pacheco Pereira, a mudança de governo seria muito "traumática"!!!
Rio e Pereira querem que Sócrates governe até ao final de 2013 mas não por causa do país - muito pelo contrário. O seu triste intuito é desgastar a actual liderança do PSD e reganhar tempo para lhe conseguirem fazer frente, o mesmo tempo precioso que o país já não tem. Pretendem, apenas, que os seus meros interesses pessoais e politiqueiros prevaleçam ainda que os disfarcem com conferências grandiloquentes mas inócuas acerca da crise do regime. Crise essa, a de valores e de vontades, que ambos estão em vias de personificar pelo seu pior ângulo.